Pergunta – O fato de não nos lembrarmos de nossas vidas passadas tem uma função, não é?
Monge Genshô – Podemos pensar desta forma. Desde o momento que não há um “Eu”, pois este é uma construção, não há ninguém para carregar uma memória. Se houvesse um portador de memória, haveria a continuidade de um “Eu”.
Pergunta – Posso supor depois das suas explicações que existe reencarnação?
Monge Genshô – De quem? Se não existe um “Eu” como pode haver reencarnação? Se memórias não permanecem, reencarnação de quê? O que reencarnaria? Reencarnação é uma palavra que não serve ao Budismo. Reencarnação significa que um “Eu” carrega uma nova vida e ganha uma nova carne. Se dizemos que não há almas ou espíritos e que as memórias desaparecem com a morte, então o que há para reencarnar? Só restam impulsos, que é o que chamamos de carma, o movimento do universo. Esse movimento produz novas identidades, novos seres. É o carma que produz manifestações, não são as manifestações que carregam carmas. Essa definição cabe ao espiritismo onde um espírito carrega carma e vai ganhando novos corpos e é dessa definição que vem também a noção de missões, resgates e um progresso permanente. Prefiro falar em nova manifestação cármica, outros professores em renascimento.
No Budismo nem mesmo essa noção de progresso permanente existe, pois você pode regredir. É muito fácil destruir sua vida, você pode nascer numa condição muito boa, boa família, bom emprego, bom casamento. Mas basta você se viciar em drogas e poderá acabar perdendo tudo isso. Outro detalhe é que os universos são cíclicos e nada é permanente, nada irá durar para sempre. Há continuidade mas não de um eu.
Pergunta – Eu penso na questão da fé, que é uma questão cultural e social. Acreditar no que “a priori”, não pode ser comprovado ou investigado…
Monge Genshô – A proposta do Budismo é outra, não se trata de fé e sim de uma grande dúvida. Não tenho nenhuma solução para lhe dar e, portanto, você não tem onde se agarrar. Você está sozinho, sem anjos ou deuses pra lhe ajudar e em suas mãos está o poder de construir seu próprio caminho. O que posso te oferecer no Zen é um método de treinamento.
Pergunta – Mas a doutrina do carma, se é que pode ser chamado assim, não é uma questão de fé?
Monge Genshô – Não. Veja bem, você poderia me apontar um efeito sem causa?
Pergunta – No mundo fenomênico não.
Monge Genshô – Então você sabe que não existe causa sem efeito, essa é a maior declaração de Buda a respeito do carma. Carma significa ação. “Carma Vipaka” é “fruto da ação”. Se você encontra cacos de uma xícara no chão, irá concluir que alguém deixou cair, os cacos são frutos de uma ação. O carma não precisa de fé, ele é auto evidente, ação e consequência. A definição de fé é a firme convicção em algo que não se vê ou ouve, ou seja, acreditar em algo sem qualquer evidência. Para o Budismo isso não faz qualquer sentido. “Teste”, disse Buda, “se funcionar para você, está ótimo”.