Escolhemos uma vida?

Escolhemos uma vida?

Pergunta – E onde entra o que chamamos de intuição?
Monge Gensho – A intuição é, na realidade, um conjunto de coisas. Sentimentos, percepções do passado, um conjunto nebuloso dentro de sua mente que lhe dá uma sensação a respeito de algo. Se fossemos tabular as questões intuitivas, você veria que seus resultados são aleatórios. Algumas vezes dá certo, outras, dá errado. É mais de acordo com a lei das probabilidades mesmo. Aquilo que consideramos intuição também não é confiável. Estou dizendo que o coração não é confiável, a razão não é confiável, a intuição não é confiável, que é melhor deixar o fluxo da vida correr, observando e agindo como você puder. Mas é muito importante não tentar impor aos outros nossas crenças ou convicções, sentimentos, ou razões. Você não sabe.
Pergunta – Então, escolhemos uma vida, vivemos uma vida?
Monge Genshô – Na realidade, vivemos uma vida arrastados por condições cármicas, é o carma que nos conduz. Outro dia estava conversando com minha filha e disse, “poxa, sempre volto à questão de fazer algum empreendimento… tenho mais de sessenta anos e continuo me envolvendo em algum empreendimento”. Não consigo escapar desse carma. Isso ocorre desde os meus vinte anos, e hoje sou monge mas sempre tem algo nesse sentido; agora é o monastério, antes era o restaurante para subsidiar a sangha; tem sempre um empreendimento. E os empreendimentos naturalmente perturbam, porque há tarefas e muitas coisas envolvidas. Isso me faz lembrar o momento em que eu quis ser monge. Naquela época estava trabalhando como consultor e viajando demais – fazia mais de duzentas viagens de avião por ano. Sentia-me muito cansado e com dores nas costas. Um dia, parei no Rio de Janeiro e conversando com um monge Zen, reclamei da dor nas costas. Como ele fez acupuntura, me perguntou sobre o que eu andava fazendo, então respondi que fazia duzentas viagens de avião por ano. “Mas, afinal, o que você quer?” Foi a pergunta que ele me fez e que é, na verdade, um grande questionamento. Algum tempo depois, procurei Igarashi Roshi e disse-lhe que eu queria ser monge. Eu pensei que sendo monge estaria escapando da minha vida de empresário e consultor, consequentemente, das viagens. Ele então me perguntou, “por quê?”, ao que respondi “minha vida é tumultuada e acredito que o melhor caminho para mim seja o de ser monge”. Então ele me disse, “você está muito enganado, não vai solucionar nada. Eu sou monge e viajo de um lado para o outro, quero construir um mosteiro em um lugar, ajudar uma pessoa em outro, tenho que pegar avião, tenho que viajar, reunir dinheiro para fazer as coisas. Meus problemas são iguais aos seus”. Voltei para Porto Alegre e um amigo que trabalhava junto comigo conseguiu uma sala e me pediu que o ensinasse a fazer meditação. Depois de dois anos já tínhamos uma sede: fechamos uns boxes no estacionamento e fizemos um zendo. No terceiro ano Igarashi Roshi me ligou perguntando o que eu estava fazendo e disse que iria me visitar para me ordenar monge. O resultado é que além de continuar a fazer tudo o que eu já fazia, ainda tive que assumir mais o compromisso com uma sangha. Então eu penso que isso é carma mesmo, não tem jeito. Isso é freqüente, você julga que vai escapar da vida e pensa “ah, se eu saísse daqui e fosse para um monastério me livraria de todos os problemas da vida!” Não é assim, você conseguiria treinar determinadas coisas, mas sua vida continua com você. Eu tenho essa convicção: meu caminho é ter família, ser monge, trabalhar. Muito provavelmente morrerei assim.