No Budismo Mahayana, há muito se disseminou a Doutrina dos três corpos de Buddha. Essa doutrina diz que Buddha deu ensinamentos em três fases chamadas “Os três giros do Dharma”. A primeira teria sido logo após seu despertar, e começa com as “Quatro nobres verdades”, e o corpo de ensinamentos que abrange os conceitos básicos do Budismo.
Em diferentes lugares, mais tarde, ele teria dado ensinamentos mais profundos. Em algumas teses, esses ensinamentos teriam ficado ocultos para serem descobertos mais tarde.
Um exame acurado da história do Budismo aponta outra possibilidade. Ao iniciar seu ensinamento, Buddha ensinou um corpo de doutrina, que mais tarde foi desenvolvido por seus sucessores mais profundamente. Esse primeiro corpo que acabei de falar seria o Dharmakaya. O segundo, Nirmanakaya – que é o corpo do ensinamento. Sendo o Dharmakaya a grande tela da manifestação e Sambhogakaya o terceiro corpo, o corpo da manifestação, o corpo físico de Buddha.
Já a “Doutrina dos três giros do Dharma” diz que Buddha deu ensinamentos básicos e, depois, os ensinamentos da vacuidade, no segundo giro do Dharma. Nos primeiros textos do Cânone Páli, consolidado trezentos anos depois da morte de Buddha, a palavra “vazio” aparece muito raramente.
Examinando todo o livro do Dhammapada, eu a encontrei uma única vez, em sânscrito, “shunya”. No entanto, vacuidade começa a ser muito importante na Doutrina Mahayana, após o desenvolvimento realizado por Nagarjuna – estima-se que viveu depois do século I (alguns dados informam que ele teria nascido por volta do ano 150). A ideia de vazio e vacuidade foi profundamente desenvolvida pelo sutil metafísico Nagarjuna, tornou-se muito importante e fundamenta grande parte das ideias do Budismo Mahayana e dos seus desenvolvimentos.
Entre o século IV e V, floresceu o trabalho de Asanga e Vasubandhu, grandes patriarcas também de nossa Escola, assim como Nagarjuna. E eles desenvolveram a ideia da natureza búdica, da natureza de Buddha dentro de todos os seres, que possibilita que eles possam vir a despertar. Essa doutrina chamou-se Tathāgatagarbha, e quer dizer “embrião de Buddha”, o embrião de um Tathagata, havendo dentro de nós esse embrião, essa possibilidade. Se nós lhe dermos condições, ele cresce e torna-se nós mesmos. E assim nos transformamos em Buddha, porque temos, todos os seres, as possibilidades de virmos a ser Buddhas.
Esses três giros da roda do Dharma, então, nessa visão que estou expressando, mostra o desenvolvimento contínuo do budismo e seu crescimento através dos tempos. Gigantes ancestrais nossos os desenvolveram, ampliaram e adaptaram aos seus tempos e às suas condições.
Essa visão nos permite entender que agora é um grande momento para o budismo, porque, na segunda metade do século XX, ele começou a se espalhar no Ocidente e suas ideias se tornaram muito importantes no imaginário popular, na filosofia, na literatura e, inevitavelmente, o budismo sofre, nesse momento, uma espécie de purificação, abandonando sincretismos que foi adotando através dos tempos, para se adaptar às condições de diferentes países, como a Índia, China, Japão, Coreia. Agora chega o momento do Ocidente.
Junto com as boas tendências, de retorno ao básico – tarefa que já foi bastante realizada por Dōgen, quando trouxe o Zen da China para o Japão – , aparecem também enfraquecimentos, abandono de antigas tradições, como monges com o cabelo comprido ou joias, propostas das mais variadas fora das escolas, auto ordenações, etc. Tudo isso causando enfraquecimentos doutrinários. E, vez por outra, é necessário que um mestre insista em retornarmos à prática mais original, em retornarmos aos ensinamentos de Buddha e Dōgen, importantes para nós, para não deixarmos que o budismo se dilua ao ponto de ficar irreconhecível ou uma prática apenas próxima de uma filosofia, de uma tradição apegada a ritos ou mesmo superstições.
Cabe a nós neste momento, que é como um “novo giro do Dharma” na sua trajetória para o Leste, não permitir que ele se perca na sua originalidade da busca do despertar, esforçado e diligente. Por isso, nós, da Daissen, estamos aqui sentados, às seis horas da manhã. Não me surpreende que sejamos poucos. Essa sempre foi a tradição no Zen, e fico, de certa forma, feliz que não abandonemos o esforço da prática em prol de alguma facilitação que a tornasse mais popular.
Por isso, Daissen significa grande fonte.
Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.