Energia de consciência | Monge Kōmyō

Energia de consciência | Monge Kōmyō

Existe um elemento muito sutil na prática contemplativa e é um elemento sutil que, no entanto, quando nós conseguirmos ter consciência dele, a qualidade de nossa prática vai mudar intensamente. E esse elemento é o processo de consciência do que nós estamos sentindo. Do que nós estamos experimentando.

A percepção clara daquilo que nós estamos realmente vivendo é fundamental na experiência contemplativa. O que significa isso? Ao longo de anos de prática, certas experiências vão ocorrer. Certas percepções vão ocorrer. Certas descobertas vão ocorrer. Mas o ponto crucial de todas essas experiências e descobertas é: até onde são experiências e descobertas verdadeiras e até onde elas são ilusórias? Ocasionalmente, pessoas vem até mim e dizem “Ah, durante a prática eu experimentei isso, eu vivi aquilo, eu tive a compreensão de todas as coisas, de unidade”. Vários tipos de experiências. E no Zen uma resposta muito tradicional é: continue praticando, isso vai passar.

A experiência de consciência é algo que procura oferecer a nós mesmos, ao nosso campo de percepção, qualidade à nossa experiência, e, o que é fundamental, autodescoberta. O grande obstáculo é que a nossa identidade pessoal e a nossa mente, esses dois fenômenos, eles criam experiências. Seja por imaginação, seja por vontade pessoal. Não é incomum pessoas que ainda estão iniciando a prática, e elas tentam mostrar que elas já estão profundas, e vem até mim e falam: “Ah, eu vivi isso e vivi aquilo”. O fato é que a experiência contemplativa, com raríssimas, raríssimas exceções, ela exige muito tempo para, digamos assim, amadurecer e oferecer essa autodescoberta. Na maior parte do tempo, aquilo que nós sentimos como experiências são reverberações de nossos próprios desejos, de uma tentativa de controle ou desvio da nossa identidade pessoal, criando uma ilusão.

A prática contemplativa, como Genshō Sensei ensina, é “enganadoramente simples”. A gente imagina que nós vamos virar para a parede e ficar em silêncio, e, no meio a distrações, e altos e baixos de nossa percepção, às vezes nós criamos a ideia de que nós estamos experimentando algo profundo. Mas não estamos. Em geral, uma responsabilidade muito grande do professor é tentar detectar isso. E tentar mostrar ao praticante que ele precisa ter mais paciência. Como Genshō Sensei falou na palestra, as experiências de kenshō raramente ocorrem durante o zazen. E, pela minha própria experiência, as grandes descobertas, as grandes experiências de percepção que realmente mudam a nossa vida, realmente, raramente acontecem quando nós estamos sentados virados para a frente.

Como dizia corretamente Thich Nhat Hanh, um grande mestre vietnamita, “sentar e meditar é uma forma de treinamento cujo objetivo é acumular energia de consciência”. Longe de ser uma coisa mística, a energia de consciência é aquele aspecto que a nossa luta de trinta a quarenta minutos vai nos dar em termos de experiência em si. Nenhuma ideia de levitação, não vamos viajar a Júpiter e voltar, não vamos perceber luzes e grandes ensinamentos de Buddha. Não… é a luta para se manter focado. É o momento em que nós nos distraímos e temos a capacidade de perceber a distração e voltar a prática. É a dor no corpo que faz com que a gente se mexa toda hora, mas a gente continua insistindo, tentando se esforçar da melhor maneira possível. Toda essa luta, toda essa dificuldade oferece à nossa mente energia de consciência. As boas intenções, o exercício de força e determinação, paciência e coragem que a prática contemplativa exige, são essas coisas que vão nos oferecer energia de consciência para que um dia, sabe se lá quando, quando causas e condições estejam adequadas, o barulho de um carro passando, o barulho de pratos sendo lavados, o barulho de uma folha de livro sendo virada, e aí vem, kenshō, insight, experiência, sabedoria, percepção.

O Eu, ele espera resultado, ele espera recompensas, e é difícil a prática contemplativa que, durante muito tempo, ela nos oferece nada. Exceto ilusões e esforço. A sutileza da compreensão e da consciência também nos oferece uma visão melhor sobre aquilo que nós estamos sentindo. Porque quando nós estamos com raiva, a raiva nos toma. Mas quando estamos treinados no processo contemplativo, quando a raiva ocorre, algo de muito interessante vai acontecer, há uma consciência de que estamos com raiva. E o que é interessante é que essa consciência, ela não está com raiva. Ela apenas percebe a raiva. Essa consciência não está com vaidade, ela percebe a vaidade, é o observador. Ou as vezes, como se chama em alguns textos, a testemunha. É um elemento que existe no nosso campo da consciência, um elemento fundamental em relação ao nosso Eu, que é capaz de observar. Será esse elemento que vai oferecer a nós o esclarecimento, a experiência de sabedoria.

Como eu sempre digo, cada um carrega o lastro de sua personalidade, das suas ideias e concepções. O que é necessário é que nós possamos compreender a dinâmica da prática contemplativa. E nos esforçar sempre para questionar a grande pergunta: “Você tem certeza disso? Eu senti uma luz, eu tenho certeza disso? Eu vou praticar mais para compreender se o que eu percebi realmente é válido ou apenas uma ilusão”. Essa experiência sutil é fundamental. Vai ser ela que vai transformar a nossa prática chata, difícil e doída em uma prática de profundos significados. Quando isso vai acontecer, isso depende do esforço de cada um. Não há como saber.

Mas para todo aquele praticante que realmente se esforça e pratica, a possibilidade dessa experiência se torna cada vez maior. Quando ela finalmente se manifesta, todo o esforço vai ter valido a pena.


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Niterói em 14 de abril de 2023.