É sempre o agora

É sempre o agora

 (continuação)
 Monge Kômyô:   Como diz o mestre Thich Nhat Hanh do zen vietnamita, fala alguma coisa que não quer falar, mas acaba falando. Faz alguma coisa que não quer fazer, mas acaba fazendo. O exercício não é apenas se prender ou recriminar o outro, mas tentar enxergar o que nós podemos fazer ou deixar de fazer para que, no futuro, isso ou não se repita mais, ou se torne mais… menos intenso. Eu reluto aqui em falar assim porque certas aprendizagens e descobertas, certas transformações e curas ocorrem em camadas. A coisa tinha uma intensidade. Através da prática diminuiu essa intensidade um pouco. Ainda ocorre, mas com pouco menos intensidade. Com o tempo e com o esforço, vai diminuindo. Aquela energia, aquela relação não saudável vai se curando. Um retiro é um primeiro passo para que nós possamos estabelecer a mente de forma que, aos poucos, saibamos encontrar meios hábeis para lidar com nossos problemas. Os problemas não vão acabar. Não há no Zen nenhum tipo de afirmação assim: pratique o Zen por três meses e seus problemas se acabam. Não existe isso. Na vida sempre existem problemas. A questão não está no problema, mas na mente. Como nós vamos entender, como nós vamos lidar com o problema. Por pior que seja. Tudo é uma questão de como nós estabelecemos a nossa mente diante dos acontecimentos, das realidades que se manifestam em nossas vidas. Daí, o ensino de Buda ser muito direto em certos pontos. Não finja que não sofre. Procure observar até mesmo para poder descobrir se você realmente está sofrendo ou se você imagina que está sofrendo. “Meu trabalho é horrível. É uma agonia. É o pior lugar do mundo”. Pode ser que seja realmente um lugar difícil, tenso. Mas é bem provável que grande parte desse aspecto ruim do seu trabalho se manifeste na sua mente. Você não consiga enxergar meios para qualificar melhor o ambiente em que você vive, trabalha. É possível.
Buda também ensinou que, usando termos modernos, sempre existe uma saída. Pode não ser uma saída que a nossa expectativa queira, mas sempre existe uma saída. É claro que na vida existem circunstâncias intensas, às vezes até perigosas. Mas, de novo, o ensinamento é ter a mente tranqüila para poder lidar o melhor possível com essas situações. Durante a prática do zazen, eu sei que para muitos a postura é ruim, é uma luta. Como falei ontem, nós precisamos encontrar um caminho do meio, um meio termo. Nós não devemos nos exigir de maneira cruel. Mas não podemos permitir que a nossa mente condicionada, o nosso eu arranje uma desculpa para não tentar se esforçar na prática. Aquelas pessoas, eu repito, que se sentirem com uma dificuldade física muito grande, entrem em contato, que tentaremos ver uma cadeira para melhorar a prática. Aos outros que conseguem manter a postura, mas que, com a continuidade do zazen pode ficar mais difícil, tentem estabelecer o melhor possível a atenção à respiração como forma de sustentar o esforço. A respiração é muito importante no zazen. Ela não só é uma âncora, é um sustentáculo, é um apoio para que nós possamos lidar com os desafios físicos, emocionais, psicológicos de você sentar para meditar. A respiração também é a forma de fazer com que nossa mente se mantenha no agora. Todo o ensinamento zen se estabelece no agora. O porquê que a respiração é tão importante para isso… Como eu ensino lá em Niterói, a respiração é o grande elemento para levar a mente ao momento presente, porque nós não respiramos no futuro. Nós não respiramos no passado. Nós só respiramos no presente. Vocês agora estão respirando e à medida que vocês expiram e inspiram, o fenômeno só se manifesta agora. O interessante é que: o que é o agora? É um constante vir a ser. Aonde está o agora? Como a gente pega o agora? Não se pega o agora. Aí está a grande dinâmica da experiência contemplativa. A mente que se mantém no agora é uma mente que se mantém flexível e una com a dinâmica das coisas que acontecem. Porque tudo que está se manifestando nesse momento se manifesta num fluxo de agora. Não são agoras. É sempre o agora.      (continua)