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No terceiro passo “vislumbrando o boi”, por fim, se encontrou o boi, mas dele se viu apenas o rabo e as patas; houve uma experiência do tipo de kensho. Mas se lhe perguntam de onde vem e para onde deve ir, não sabe dar uma resposta clara. Desde o princípio, sempre houve muitos tipos de kensho. O satori de Shakyamuni Buddha foi a criação de um novo mundo, antes de seu tempo, ninguém sequer sabia que existia tal acontecimento.
A experiência sem precedentes ocorreu subitamente a Buddha, atravessando-o como um raio e todos os problemas resolveram-se no mesmo instante. Se Buddha não estivesse tão adiantado no treinamento não teria podido explorar de maneira criativa aquela região que nunca havia sido visitada por nenhum ser humano. Antes dessa experiência, Buddha havia passado pela sétima e oitava etapas de nossa seqüência e havia alcançado a nona. Ele teve então um kensho completo, que é a iluminação real. Desde seu tempo tem havido muitos mestres zen que têm completado o curso de treinamento antes que tivessem a experiência de kensho. Muitos precisaram de quinze a vinte anos para que isso ocorresse.
No terceiro estágio, temos uma situação análoga àquela de um principiante em pintura, que vê admitida sua obra por um golpe de sorte. É como quem está vendo apenas as patas ou o rabo do boi. Se fosse um pintor experiente, desde logo ele seria excelente e já demonstraria sua capacidade de artista, mas tudo depende de seus futuros esforços. Aos estudantes modernos do zen, nós lhes dizemos, ao começar, que há um acontecimento chamado kensho – iluminação -, uma experiência mística que os está aguardando. Quando cruzam o caminho desse terceiro estágio, tomam-no naturalmente como se fosse a experiência de Budha, como se tivessem chegado ao cume da prática do zen, vão subindo por rochas e arbustos desejando essa visão e à primeira olhada gritam: “É isto, cheguei!”, certos de que o que vêem não é falso. Mas há uma grande diferença entre sua experiência e a de Budha em conteúdo, beleza e perfeição.
Isso tem acontecido bastante, pessoas que têm uma primeira experiência, um pequeno vislumbre da experiência e se crêem iluminados e saem se auto-intitulando mestres iluminados a propagandear “mestre iluminado vai dar um curso no final de semana e você poderá alcançar a iluminação em dois dias”. Hoje, nesse sesshin, nós temos outra situação. Nem um mestre iluminado, nem ninguém, irá alcançar a iluminação. Teoricamente poderia acontecer, e também pode acontecer uma situação como esta, um primeiro vislumbre. É que o primeiro vislumbre, embora espetacular para quem o experimenta, não significa estar iluminado, significa só: “Vi o rabo e as patas; nem vi o boi inteiro”.
A observação de Sekida a esse respeito é que no estágio “Vislumbrando o boi”, se experimenta, em algumas ocasiões, certo tipo de samadhi, mas ele é instável e carece de segurança. Ainda assim o mestre pode tomar a mão do aluno que tenha tido essa experiência e conduzi-lo até a sala de meditação dizendo-lhe: “É isso, é isso”. Tal atitude faz parte da estratégia do mestre, o qual se adapta à capacidade e necessidade do estudante. Alguns mestres são muito estritos e dão crédito ao aluno mais facilmente, outros menos. Todos têm sua forma individual de ensinar e há razão em seus métodos. Falando em geral, quando o estudante é promovido, adquire certa confiança e sua prática começa a andar nos trilhos.
Entretanto, há exemplos de estudantes que têm estudado sob o comando de mestres estritos durante dez ou quinze anos, sem que hajam recebido alguma confirmação de seu adiantamento e que um dia explodem com uma iluminação genuína, isso se chama satori, iluminação repentina e direta, e aquele que vivencia uma experiência exaustiva e profunda, tem uma experiência igual à que teve Budha Shakyamuni. O método de adiantamento gradual, passo a passo, chama-se zen escalonado, quando comparado à iluminação súbita e direta, mas tanto se avançarmos gradualmente, como se formos de um salto, tudo depende da própria determinação de alcançar o topo. Não duvidem, é preciso um esforço desesperado para alcançar uma iluminação genuína.
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