P: Uma vez li um livro sobre meditação que falava sobre as dores. E se referia a certas dores como “dor Dharma”, porque essa dor de alguma forma desata alguns nós. Isso é assim para o Zen?
Monge Genshô – Tradicionalmente, muitos mestres já declararam isso, nenhum caminho para a iluminação é tão rápido quanto o do sofrimento. O sofrimento físico é útil, vocês irão reparar isso no final do sesshin, mesmo com o aparente sofrimento, fica uma sensação boa. Lembro-me bem do Lucas, o Seigaku San, em seu primeiro retiro, ao final ele dizia: “foi horrível, horrível”. De alguma forma interessante, há anos seguidos ele continua vindo aos sesshins, embora tenha sido horrível a primeira experiência. Mas existe o sofrimento emocional, muitas vezes, isso é frequente, talvez alguns já tenham passado por isso no sesshin, angústia, dor emocional, remorso, culpa, muitas coisas do passado retornam, essa é uma grande oportunidade de saber de onde vem isso, porque estou sentindo, qual a origem? Esse sofrimento psicológico vale a pena, você está sozinho de frente para a parede, não há ninguém para enganar, desculpar-se. Os que são psicólogos sabem quanto esforço as pessoas fazem para enganar os terapeutas. Mas de frente para a parede, quem você irá enganar? Depois, no sesshin e na prática do Zen, nos atos, enganar com a postura da meditação, com o jeito que faz kinhin, enganar com o comportamento na cerimônia? Você não irá conseguir. Ninguém é tão bom ator que consiga enganar, chega um momento que você desaba, desiste de tentar ser bom, de tentar fazer certo, então a verdade aparece. Que bom que existe o sofrimento físico e psicológico.
P: O senhor disse que a verdade aparece, qual a verdade de uma pessoa que está sentada e não aguenta mais?
Monge Genshô – Não aguento mais. Essa é uma grande verdade.
Aluno – Mas o que eu faço, continuo sentado?
Monge Genshô – Se você não aguenta mais, mas continua sentado é porque você aguenta. Quando você realmente não suportar mais, irá trocar de posição, levantar-se ou sentar na cadeira. Terá que fazer alguma coisa. Vai chorar e, se não aguentar, irá se manifestar. Normalmente quando se pensa, “eu não aguento mais” ainda temos um longo caminho pela frente, dizemos isso muito cedo. Uma experiência pessoal minha comprova, é muito bom quando a gente desiste. Porque desistimos de nosso orgulho, do que queremos mostrar para os outros, isso é muito bom, pois é a verdade.
Aluno – Pessoalmente, no primeiro zazen eu já desisto, a questão que fica pra mim é: mas então como faço zazen? Apilhado, chorando, rolando pela sala?
Monge Genshô – Bom, não role pela sala, mas chorar é legítimo. Talvez seja melhor contar uma história. “Akiba Roshi”, que foi meu Abade em um Angô (treinamento de 3 meses em mosteiro), deu a seguinte instrução. Em um retiro de Monges, estes se revezam passando com o kyosako; em todas as sessões de zazen tem algum monge passando com o bastão atrás. Ele disse então: “se alguém está cabeceando de sono, você se aproxima e toca nele com o bastão, apenas para chamar sua atenção. Quando você está passando pela segunda vez, ele dormiu. Então você bate nele com o kyosako. Na terceira vez que você passa, ele novamente adormeceu. Deixe-o, ele está manifestando uma verdade, deixe-o, ele está com sono”. Não é um “mau” Monge, é apenas um Monge cansado e com sono. Não há nada de errado nisso. Saikawa Roshi uma vez respondeu a seguinte pergunta: “o que eu faço, sinto muito sono no zazen?”. “Durma”, foi sua resposta.
Aluno – Só para complementar. Isso ocorre há anos, posso dizer que já suportei em outros sesshins muito mais dores que nesse, mas tomei uma decisão, não preciso sentir tamanha dor e sofrimento. Eu fico sempre patinando, fico empacado. Minha pergunta é no sentido de, o que eu faço, fico sentado, tenso, cabeça baixa sentindo dor ou simplesmente desabo e desisto?
Monge Genshô – Você é quem sabe. Se você abandonar o zafu, curvar-se, ou colocar os joelhos para cima e abraçá-los, isso só fará com que você respire com dificuldade, não é zazen, mas você está na sala junto com todos, isso é uma grande coisa, você não foi embora. Eu vejo tudo o que acontece, eu compreendo, minha perna também dói. É muito bom quando alguém desiste, pois abdicou do orgulho. Tentar ficar numa bela posição aguentando tudo pois sabe que o mestre senta de frente para as pessoas e está vendo, é bobagem. O melhor é que você realmente assuma quem você é, com suas limitações, isso já é uma grande lição.
Aluna – Para mim acontece um pouco diferente, estou bem e minha mente começa a tentar fazer com que eu me mexa. Então de repente eu mexo, mas não precisava, eu poderia suportar mais um pouco. O pior é quando isso acontece bem perto do sino…
Monge Genshô – E você se importa?
Aluna – Me sinto uma idiota.
Monge Genshô – Mas isso é tão bom. Uma vez disse à meu Mestre Saikawa Roshi: “percebi nesse angô, como sou um idiota, um estúpido”. Ele respondeu: “É ótimo quando podemos dizer, eu sou um estúpido, mas sem importar-se com isso”. Mas não se comparem, porque quando nos comparamos existe um “eu” que se compara, vejam que tudo gira em torno dessa questão do eu: “eu quero ficar com uma postura correta”, “eu não quero me mexer”, então, desistir é abdicar de seu “eu”, assumir que é um idiota é abdicar de seu “eu”, não se comparar com os outros é abdicar de seu “eu”, pois todos somos idiotas. Alguém nessa sala é capaz de levantar-se e dizer, “não, eu não sou idiota”? Lá dentro tem um orgulhoso que quer dizer que é o bom, mas você sabe que não é verdade. Nós estamos no sesshin e sentamos todos juntos, por isso sabemos que todos são idiotas, nosso companheiro do lado sabe que sou idiota e eu sei que ele também é um idiota. Isso é maravilhoso.
Aluna – Ainda sobre a dor. Existem alguns livros, inclusive livros do zen, que dizem para usarmos a dor como objeto de meditação.
Monge Genshô – A instrução é: torne-se um com a dor. Veja como você pode ser a própria dor.