Pergunta: Como podemos lidar com a intolerância exacerbada, parece que a intolerância está conseguindo passar dos limites.
Monge Genshô: Mas ela é natural, porque a intolerância se manifesta pelo acirramento do acreditar nos extremos. Quando você acredita no extremo, qualquer coisa que abale sua crença naquele extremo é difícil, e a pessoa reage com violência contra o outro extremo. Então o outro extremo reage com violência contra aquele, por isso que você não vê o acordo, porque é da natureza humana mesmo. A natureza humana é um pouco diferente da física newtoniana, que diz que uma ação corresponde a uma reação de igual força e sentido contrário. Muito bem, mas, na regra dos relacionamentos humanos, é: a cada ação corresponde uma reação dez vezes maior que a ação anterior. Então a essência da questão é que você acreditar ou defender extremos em si é erro. Você devia sempre olhar para o centro e pensar assim: não é bem verdade, nada disso é bem verdade, não existe essa pessoa completamente desonesta, mas também não existe aquela pessoa exatamente honesta. Vamos olhar as coisas no centro, a realidade tal como é.
Nós temos, no Brasil, estabelecido que é tolerável fazer determinadas coisas erradas, e um monte de gente de diferentes graus fez essas coisas. Então nós só vamos consertar isso a medida que tornemos claro que isto é errado e inaceitável. Enquanto não fizermos isso, vamos aceitando e tolerando. Há graus de tolerância para um caso e outro.
Mas como nós, budistas, podemos lidar com intolerância? Eu, como Monge, não me declaro a respeito de política, porque como Monge não devo me declarar. Aqui dentro dessa sala existem pessoas num extremo, pessoas em outro extremo e um monte de gente mais ou menos, no meio do caminho. Se eu declarar alguma posição, algumas pessoas vão se opor a ela, outras vão concordar, e isso na realidade esvazia a sangha e prejudica a harmonia. O meu papel de Monge não é administrar conflito ou proporcionar surgimento de conflito. O meu papel é pacificar, levar a compreensão, então o que eu tenho que ensinar é a compreensão do budismo a respeito dos acontecimentos. Mostrar que as coisas são assim, não são como nós queremos que sejam e não adianta você se opor às pessoas, insultar, se indignar por causas das suas posições, por causas dos seus pensamentos, é inútil, não leva a nada, só leva a acirramento de posições. Se temos acirramento de posições, dividimo-nos e sentimos que não somos mais um corpo comum, mas nós temos que concordar em algumas coisas básicas. Nós temos que concordar como sociedade, no caso do Brasil, que existem práticas inaceitáveis e práticas corretas; que nós queremos que práticas corretas prevaleçam sobre as práticas incorretas. Não adianta defender extremos só porque temos ideologia, nós precisamos das práticas corretas, e nós temos exemplos de onde as práticas corretas funcionam em outros lugares – por que não devemos imitá-los? Por que temos que defender ideias, como se ideias fossem bandeiras de time de futebol?
Esse é um dos problemas da cegueira das ilusões: os times de futebol são um exemplo bem claro. Você levanta uma bandeira, uma camiseta, e de repente tem gente brigando por causa daquela cor ou por causa daquele nome, isso não tem sentido. É a construção de uma ilusão absurda, você construiu uma ilusão e depois você briga por ela, isso é insensato. Não estou dizendo que ir assistir a um jogo e gostar do jogo em si não seja bom. Isso é bom. Mas sair e levar uma ideologia que você colocou num time para fora e brigar com outra pessoa por causa disso, isso é insensato, isso não é lucidez, não é clareza de compreensão das coisas.