Nos nossos altares sempre há flores. As flores estão lá para nos ajudar a lembrar da impermanência. Elas nunca são as mesmas de um dia para o outro. Começam rapidamente a fenecer e, em breve, são substituídas. Algumas duram apenas um dia.
São as flores um excelente paralelo a respeito de nossas próprias vidas. E isso é um ponto muito importante para o tema de hoje: o perdão. Devemos olhar para as flores e pensar: assim como elas, o eu que sou hoje não é o mesmo de ontem, muito menos o de anteontem ou de um mês atrás ou de um ano atrás. Eu não sou o mesmo, eu estou em mudança.
Como disse Saikawa Roshi, meu mestre: “cada momento é novo”. E, assim, cada dia é novo e a cada momento eu sou novo. Assim, posso me perdoar porque eu não era o mesmo de ontem, e meus erros de ontem não necessariamente preciso carregar hoje. Os meus enganos, de anos atrás, não preciso continuar carregando. Eu, simplesmente, os posso jogar fora em uma nova identidade, a identidade que eu assumo, a identidade de hoje.
Por essa razão, trocamos de nome no Zen frequentemente, porque quem éramos não somos mais. Nós temos essa oportunidade também nessa vida. Podemos perdoar a nós mesmos e podemos perdoar os outros, porque os pais de nossa infância não existem mais: transformaram-se nos pais da nossa adolescência, depois nos pais da nossa vida adulta e assim foram mudando o tempo todo. E, assim como nós mudamos, eles mudam, e cada uma das pessoas do nosso passado também muda, arrepende-se de seus atos, eventualmente morre, manifesta uma nova identidade sem a menor memória do passado. Embora carregue suas marcas kármicas, a memória se foi. É e não é mais a mesma pessoa. E nós também, nessa vida, somos e não somos mais a mesma pessoa; somos apenas transição e mudança, assim como as flores que mudamos no nosso altar.
Quando fizermos isso no altar, devemos rememorar: este é um símbolo da minha mudança, eu não sou mais o mesmo, eu não necessariamente preciso carregar a mim mesmo. O eu de hoje não é o eu de ontem, assim como o eu das pessoas que conhecemos no passado não existe mais. Nem os nossos ofensores nem os nossos beneficiários existem como eram. Estão mudando e se transformando, e isto é uma maravilha, porque é uma grande oportunidade: a oportunidade de perdoar extensamente a nós mesmos e aos outros, a oportunidade de ver que, se cada momento é novo, nós somos novos e as oportunidades estão sempre abertas. E é por isso que podemos vir a ser Buddhas.
Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.