O portal a nossa frente começa, assim, a abrir-se. Uma pequena fresta poderá nos mostrar a luz do outro lado da porta, nossa intenção é atravessar o portal, mas só o faremos se o merecermos. Não existe um ritual, uma roupa ou mestre que possa abrir o portal para você. Só você pode passar o portal. E esse portal implica não em um engrandecimento pessoal, mas em um apagar da consciência pessoal para integrar-se à dimensão suprema. Para enxergar a dimensão suprema. O resultado disso é abandonar toda a dimensão histórica, quem perde a dimensão histórica e penetra na dimensão suprema não nasce nem morre mais, porque ele engoliu a eternidade.
Pergunta – Me veio a mente a famosa frase de Descartes, “Penso, logo existo”, o senhor poderia falar um pouco sobre essa frase sob o ponto de vista budista?
Monge Genshô – Esse é na verdade o erro de Descartes. “Cogito, ergo sum”. Assim ele começa seu Discurso do Método. Descartes queria transformar tudo em plena lógica e raciocínio. Então à pergunta, “como sei que existo?”, ele responde, “penso, logo existo”. Do ponto de vista do Zen a frase estaria mais correta dessa forma, “penso, logo, penso”, apenas porque penso, a única coisa que posso dizer de quem pensa é que pensa, do ponto de vista do Zen, porque ele pensa ele pensa que existe, a frase de Descartes cristaliza a ilusão. Ele não percebeu que pensar é que constrói a noção de um eu. Porque eu percebo ouço e vejo, porque eu penso, então eu acredito em mim. Essa é nossa verdadeira tragédia. Porque ao fazer isso e acreditarmos em nós mesmos, perdemos a dimensão suprema, porque acreditarmos em nós mesmos é a perdição do homem. Ela está oculta em muitos mitos e metáforas. Na tradição judaico-cristã o homem come, no paraíso, do fruto de uma árvore. O fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Nesse mito a metáfora é que para o homem perder-se do paraíso ele toma consciência da dualidade e começa a pensar, porque o pensamento é dual, é dessa forma que ele funciona, bem e mal, certo e errado, gosto e não gosto, direita e esquerda, toda nossa linguagem é construída dessa forma, em pares de opostos.
Quando o homem começa a mergulhar nessa questão, ele deixa de ser o Adão do Éden, é expulso do paraíso e para que não retorne é colocado um anjo na porta com uma espada flamejante. Por que ele não pode ficar? Porque ele começou a pensar a dualidade. Tornou-se, como diz o Gênesis, como os deuses, conhecedor do bem e do mal. Na mitologia Budista os deuses estão perdidos, os deuses não estão libertos, eles acreditam em si mesmos. Alguns se crêem tão poderosos que acreditam que criaram mundos. Nessa dimensão tudo passa pela ilusão de acreditar em sua separação e perder-se da dimensão suprema. A libertação é retornar, abandonar o pensamento dual, o raciocínio, a distinção, bem e mal, gosto e não gosto e retornar para a dimensão suprema.
(Final da palestra em sesshin de 7 de setembro 2012, realizada pelo Rev. Genshô e decupada da gravação por Chudo San.)