Gostaria de falar sobre o caso da transmissão de Shakyamuni Buda para Mahakashyapa, que historicamente inaugura o Zen. Mahakashyapa, portanto, foi o primeiro patriarca.
Em certa ocasião, o Venerado por Todo o Mundo – uma maneira de se referir a Buda – levantou uma flor e pestanejou. Surgiu um sorriso no rosto de Mahakashyapa, e então o Venerado disse:
– Tenho comigo o tesouro do olho do verdadeiro Dharma e a maravilhosa mente do nirvana, e o transmiti a Mahakashyapa.
Em outras versões desta história, Buda levanta a flor, Mahakashyapa sorri e Shakyamuni Buda diz: “Mahakashyapa foi o único que entendeu”. E isto é a certeza de Buda sobre a realização espiritual de Mahakashyapa, a certeza de que Mahakashyapa já havia se iluminado.
Então, essa questão da transmissão, que é o cerne dessa palestra de hoje, é que a transmissão é um reconhecimento, por parte do mestre, da realização espiritual do aluno. O mestre não dá a transmissão, ou dá a iluminação a um aluno. Não é isto. O aluno tem que trabalhar sozinho, sentado na sua almofada negra. Ele tem que trabalhar, fazer a sua mente como eu descrevi ontem, naqueles passos de samadhi, kenshô e satori, e quando ele atinge alguma compreensão ou tem alguma experiência significativa, ele vai até o mestre e mostra, descreve a sua experiência. E cabe ao mestre chancelar ou não; dizer: “ah, isto é só ilusão”, ou “isso é fisiológico”, ou qualquer coisa assim.
Uma vez Moriyama Roshi contou-me que estava sentado em zazen no monastério e viu nascer uma flor na frente dele. Nasceu uma flor na frente dele e ele: “estou iluminado”. Foi até o mestre, na época. Contou para ele a história, e o mestre gritou com ele: “seu idiota! Vá embora daqui com sua ilusão! Volte lá para o seu zafu!”, e o mandou embora, porque era uma fantasia dele; isso não é experiência espiritual. Às vezes, algumas pessoas vêm me contar que viram na parede manchas coloridas, etc. e tal, e eu digo: “cansaço na retina… Você cansou os olhos, e, quando muda o olhar de um lugar para o outro, vê manchas coloridas. Isso não é nada senão os seus olhos cansados; não é coisa alguma.
N.E.: transcrição de palestra realizada por Monge Genshô Oshô em Florianópolis, novembro/2016.