Uma visão literal das escrituras religiosas leva a muitas coisas comuns na nossa sociedade. Por exemplo, se está escrito lá que a mulher deve obedecer ao seu marido, então pronto, é assim que deve ser. Dessa forma, todos os maridos que obedecem às suas mulheres, eu inclusive, estão contrariando o texto. Os textos budistas originais também têm esse tipo de tendência e também dizem respeito ao funcionamento social da época.
Quando Buda diz sobre as relações familiares ou econômicas e tudo mais, ele está falando de um mundo de 600 anos antes de Cristo. E por isso, esse é o ponto que chama a atenção, Buda é um revolucionário prodigioso. Porque ele declara naquele tempo que homens e mulheres são iguais na sua possibilidade de alcançar a iluminação e, portanto, são iguais na Ordem. Por isso homens e mulheres devem se vestir com as mesmas roupas, devem raspar a cabeça da mesma maneira e não há distinção alguma, podem ser Mestres, professores, exatamente do mesmo jeito. Já se passaram 2.600 anos e ainda, no geral, nas sociedades não chegamos a este comportamento preconizado por Buda. Mas esse discurso não foi somente para as mulheres, foi também para as castas. Raspar a cabeça é para todos, não interessa se são párias ou brâmanes, todos são a mesma coisa.
Então Buda aboliu as castas dentro do budismo, e isto contraria o procedimento até hoje existente dentro da Índia no hinduísmo, por exemplo, onde ainda há castas congeladas. Esse é um dos motivos do budismo ao longo de mil anos perder a força e acabar saindo da Índia, porque não conseguiu vencer essa ordem vigente, essa ordem das castas. As castas sobreviveram, absorveram o budismo como um hinduísmo modificado nas escolas Vedanta e Advaita Vedanta, que são extremamente parecidas com o budismo, ao ponto de serem chamadas de “cripto-budismo”. Mas isso tudo surgiu 700 depois de Cristo, ou seja, mais de mil anos depois da morte de Buda.
[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei]