Âmbitos causal e não causal

Âmbitos causal e não causal

P: Por que esta afirmação no âmbito da causalidade é correta ?
“Às vezes supõe-se erroneamente que os seres iluminados estão isentos de gerar ou sofrer as consequências cármicas, isto não é o ensinamento budista.”
E porque no âmbito não causal estas afirmações não se aplicam como Dogen aponta:
“Se chegarmos à Grande Prática do Caminho, veremos que isto mesmo é o Grande karma. Eis porque não podemos nem afirmar que “Não, o Dharma do karma cessa com a Grande Prática do Caminho,” nem “Sim, este Dharma nunca cessa mesmo com a Grande Prática do Caminho.” Se erradamente respondermos “Não,” também interpretaremos mal o “Sim.” “
É realmente muito boa pergunta pois permite explicar . O problema fundamental é o seguinte: a afirmação, está em um âmbito, o da causalidade, neste âmbito:
1) Carma é a lei. (significa “ação” em sânscrito)
2) Carma pessoal é o que gera uma identidade, tal como o carma de Buda.
3) Carma Vipaka são os frutos do carma que um ser experimenta. Quando Buda (depois de iluminado) relata em um sutra que está com dor de cabeça e que isto é fruto de um mau ato seu no passado remoto ao rodar um peixe sobre a cabeça, ele está ensinando no âmbito da causalidade. O mesmo na morte de Nagarjuna que atribui ser esfaqueado a fruto de um carma de seu passado.
4) Vipaka são os frutos no mundo dos atos de todos os seres, no âmbito da causalidade este texto e o ato de você a estar lendo é fruto dos ensinamentos de Buda no passado. Portanto os atos de um Buda geram consequências cármicas no mundo.
Assim vista a frase acima está correta, e é neste âmbito que se faz a primeira leitura do koan da raposa, e por declarar que os iluminados não estão sujeitos a causalidade é que o mestre fica transmigrando por 500 vidas.
A frase de Grande Mestre Hsu Yun “se até mesmo um Buda tem que se preocupar com suas ações, imagine nós”… está no primeiro âmbito, por esta razão foi perguntado como poderia isto ser compatibilizado com a ” não dualidade”, ora o Mestre não confunde os âmbitos por isso pode falar em ambos. Isto é o mesmo que a analogia da geografia, falar que não existem fronteiras , nem em cima nem embaixo, está certo visto de um satélite, mas no mundo dos mapas, existe em cima e embaixo e fronteiras, não ajuda nada ficar dizendo a um aluno com um mapa que ele é uma fabricação mental e por aí afora, isto deve ficar para depois, quando se olharem fotos de satélite. Se se faz isto no budismo também confundimos os estudantes.
Depois do parinnirvana, morte de Buda, não há mais uma identidade operando e assim não há carma pessoal (carma vipaka), foi justamente por se extinguirem as energias cármicas que a identidade não mais existe e o iluminado se liberou.
Praticamente todo o Cannon Pali budista fala no âmbito da causalidade, os ensinamentos não causais são posteriores, ou declarados como dados secretamente por Buda e escondidos e revelados por Tertons (no caso tibetano seres que os recebem em suas mentes a partir de indícios ou fragmentos de textos) ou escritos posteriormente e ditos como do Buda histórico (Sutras como o do Diamante), ou escritos por mestres que os desenvolveram através de sua realização pessoal (como os textos de Dogen).
Quando se passa para o âmbito do não causal, ou âmbito transcedental, tudo muda, o problema não é declarar o âmbito não causal, Dogen o faz em seu texto numerosas vezes, mas toma o cuidado de declarar ambos os âmbitos, ele não pretende confundir, pretende ensinar, por esta razão o faz.
A insistência em falar no âmbito não causal, para comentar o âmbito causal, assim cria uma respeitável confusão na mente de quem lê, é por isto que digo que não se trata de estar errado, mas sim de usar um método de mensagem que não ajuda o ensinamento budista.
A insistência em dizer que o âmbito causal está errado é uma contradição em termos, porque no âmbito transcedental as declarações certo e errado também não fazem sentido, isto demonstra técnica didática errônea, a qual pode causar grande prejuízo no ensino do Dharma, em um momento se declara errado ou certo algo e a seguir se propõe como única abordagem budista possível a não causal, onde certo e errado não existem. Dogen chega a explicitar isto com clareza em seu texto:
“Se chegarmos à Grande Prática do Caminho, veremos que isto mesmo é o Grande karma. Eis porque não podemos nem afirmar que “Não, o Dharma do karma cessa com a Grande Prática do Caminho,” nem “Sim, este Dharma nunca cessa mesmo com a Grande Prática do Caminho.” Se erradamente respondermos “Não,” também interpretaremos mal o “Sim.” “
Notem que Dogen tem o cuidado de ressaltar ambos os âmbitos na tentativa de não ser obscuro.
Então os seres iluminados sofrem consequências cármicas ( como a dor de cabeça do sutra) no âmbito causal, no âmbito não causal já sabemos que a declaração será docetista (Buda não é um homem realmente), “Buda manifesta um corpo para seres com mérito, a dor de cabeça é uma manifestação compassiva para dar um ensinamento…” Uma afirmação transcedentalista muito útil para certo estágio de ensino, mas no qual não se afirma mais nada como sim ou não, e tudo fica como se manifestasse e não manifestasse e assim por diante.
Genshô