Pergunta – Fiquei pensando no que o senhor disse semana passada, que somos atmosfera…Mas então me veio a idéia do carma, eu me identifico perfeitamente quando dizes que somos iguais e feitos da mesma substância, mas e o carma? O senhor falou do banco de plástico e do cabide, mas o tempo de decomposição de um é diferente do outro, eu tentei imaginar que somos atmosfera, mas onde entra o carma de cada um, como vai se formando ou de onde originou?
Monge Genshô – O budismo não responde esse tipo de pergunta, por exemplo, “qual a origem do universo?”, ou ainda, “Como surgiu o primeiro carma?”. O objetivo do Budismo não é dar explicações sobre coisas não verificáveis. Há uma história nos sutras que ilustra bem isso, adaptando: – Um homem levou uma flechada e um amigo chega perto e lhe pergunta, “quem atirou a flecha era alto ou baixo, magro ou gordo?” O homem então lhe responde, “qual a importância disso, apenas tire a flecha”, ou seja, todos estamos sofrendo mergulhados em nossas ilusões, que utilidade teria para nós saber a origem do universo? Sabemos que o carma surgiu em algum momento e de alguma forma, pronto. Explicações são objeto da ciência. Provavelmente tenha surgido naturalmente pelas irregularidades da vida e do universo. Há o primeiro ato e qualquer ato provoca um efeito. Tudo tem consequência. Todo e qualquer efeito tem uma causa anterior. Se você pergunta qual a primeira causa pode cair numa regressão sem fim e sem sentido. Há outra história também muito interessante sobre isso. Um rei perguntou à um Monge: “A Terra está apoiada sobre o que?”, e o Monge respondeu: “Sobre um grande elefante”. “E em baixo do elefante o que tem?”, “Uma tartaruga” respondeu o Monge. “E em baixo da tartaruga, o que tem?”, “Outra tartaruga, Majestade é melhor pararmos por aqui por aí em diante são só tartarugas”.
Pergunta – O senhor falou da mente que se engana, como eu sei que estou enganado?
Monge Genshô – O que você pensa sobre isso, como você sabe que sua mente está enganada? Como você sabe que está separada das outras pessoas? Você olha para todas essas pessoas e as vê separadas de você. Mas você não vive sem elas. Não vive sem nada que existe, sem sol, sem chuva, árvores, pássaros, na realidade você é tudo isso misturado. Se você pensar sobre o que é esse guardanapo de papel em sua mão, do que ele é formado? Chuva, sol, árvore, carbono, tudo igual a você. Você é tudo isso junto, no entanto você olha para tudo e diz: “Eu estou separado”. Isso em si só já é uma grande ilusão. Por acreditar nessa ilusão é que você nasce e morre. Chamamos isso de ignorância. Por sermos ignorantes nascemos e morremos e acreditamos estar separados.
O carbono presente nessa folha de guardanapo em sua mão é muito antigo, bilhões de anos, os resíduos de bilhões de anos e de resto de estrelas estão todos contidos aí nessa folha na sua mão. O que você diria se essa folha dissesse: “Eu sou um guardanapo separado”? Você não diria para esse guardanapo, para esse carbono que ele está enganado? Claro que diria, no entanto olhando para sua mão você pode dizer que ela é predominantemente carbono. É tão evidente que estamos mergulhados em uma ilusão, o simples fato de você estar vivo e dizer “eu sou” é uma grande ilusão. É um sonho. Eu sou um ser de sonho falando para seres de sonho. Se acordarmos veremos que é tudo igual, mas tudo diferente. “Antes de estudar o Zen, pensava que as montanhas eram montanhas e os rios eram rios. Quando comecei a estudar o Zen percebi que as montanhas não são montanhas e os rios não são rios. Agora que despertei, as montanhas são montanhas e rios são rios”, essa é uma famosa história Zen. São as mesmas montanhas e os mesmo rios, só que é tudo diferente. Por isso os mestres Zen dão tantas risadas. Em um diálogo com Shariputra, um homem da Escola de Zoroastro, que acreditava num Deus único e criador do universo, diz à Shariputra, “Nós temos a verdade e acreditamos em um Deus único”, então Shariputra ri e responde: “Ah, temos muito de deuses únicos aqui na Índia também”. (Gore Vidal)
Os homens criam muitas histórias para acreditar, todas são ilusórias. As crenças são ilusões, quando você chega no Budismo ele não lhe oferece nada em que crer ou algo do tipo, acredite no que o professor está dizendo. O Budismo é experiencial. Teste e experimente, se funciona pra você é bom se não funciona, desista. Se você não gosta do professor porque ele é muito desagradável dizendo coisas desoladoras, pode ir embora. O Budismo não faz força para atrair pessoas, mais ainda, costuma dizer coisas para as pessoas irem embora. O Zen Budismo é para despertar, não para acreditar. Uma pergunta que sempre surge é: “Em que que o Budismo acredita?”, a resposta, não sei, isso é problema seu que acha que é preciso alguma crença.
Sempre conto essa historinha ilustrativa, se vem alguém na Sangha dizendo que acredita em homenzinhos verdes de uma galáxia distante, não há problema algum nisso, podem sentar e meditar. Agora, se os homenzinhos falarem com você então o caso é grave e é melhor procurar tratamento. O zen tem sempre muitas histórias. Conta-se uma história de um monge que sentado em meditação dizia estar vendo os discípulos de Buda em seu redor cantando mantras. O mestre então mandou que os outros monges lhe dessem um banho de água gelada e dessa forma resolveu o problema.