Vi um documentário sobre a vida na Terra e o cientista que o narrava distinguia cada ser e cada espécie dando-lhes seu nome em latim, como é tradicional. E, assim, a cada vez que os nomeava separadamente, distinguindo-os dos outros seres, parecia que havíamos entendido que ser era aquele, porque, enfim, tinha um nome, uma descrição, então havia taxonomia para nos fazer compreender o que é isto, o que é aquilo, através do instrumento humano de dar nomes, de separar, de distinguir, para assim entender.
Não há dúvida de que esse é um instrumento útil,e, apesar de fazermos isto há séculos, descrevemos apenas uma fração da vida existente na Terra. Uma fração muito pequena. A questão, do ponto de vista budista, é: descrever e nomear, distinguir, usar a linguagem para separar é realmente sabedoria? É um instrumento útil e, com a linguagem usada como ferramenta, conseguimos transformar o mundo e exercer nosso poder, mas, ao mesmo tempo, perdemos a visão da unidade. Ao fragmentar, perdemos o todo.
Mesmo na comunidade budista aparece vez ou outra essa tendência. Queremos separar pessoas por suas preferências, por suas nacionalidades, fazer um grupo especial dos ruivos, fazer um grupo especial qualquer por causa de uma preferência sexual, distinguir homens e mulheres como se fossem seres separados, e não apenas pessoas.
Insisto que a nossa visão deve ser a de unificar e não fragmentar. Olhar o todo e não as partes. Não ver as diferenças para não criar divisões. O próprio sistema monástico no Zen dá exatamente as mesmas roupas para monges e monjas. Raspamos a cabeça da mesma forma e, olhados a uma certa distância, sentados no zendō, fazendo uma cerimônia, você não sabe mais quem é o quê, se temos homens, mulheres, qual é a cor dos seus cabelos. Nada mais vemos, e isso é uma lição sobre a unidade, em oposição à distinção, à fragmentação, à separação.
Que nossa prática nos leve a perceber: tudo é um! Nós somos um com todo o Universo. Nós nos sentamos aqui e agora em zazen com todos os seres, inter sendo com todos eles. Não somos diversos, somos iguais em nossa natureza búdica, em nossa capacidade de poder vir a despertar. Podemos usar as ferramentas de distinguir, separar, colocar em prateleiras, como fazemos com os livros: distingui-los por assunto, para mais facilmente procurar na biblioteca. Mas sentados em zazen como praticantes zen-budistas olhamos toda a sabedoria como uma só.
Apaguemos em nossa mente toda distinção, toda separação e, desta forma, podemos acolher a todos – sem pensar: direita, esquerda, em cima, embaixo, preto, branco, certo, errado – com a visão do uno dentro de nós.
Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, Junho-julho/2021.