Pergunta: Como seria ter uma chance de desenvolver esse olhar para ver a verdadeira natureza? Quais são as recomendações, inclusive da escola Zen, para a prática diária?
Monge Genshō: todas as práticas pretendem levar você a ter uma mente vazia de agitação e de conceitos preconcebidos para que você tenha uma mente suficientemente livre, que possa enxergar a sua verdadeira natureza. Então as práticas pretendem levar você a ter experiências de insight.
Essas experiências vão surgir se você cultivar o samadhi, a concentração ou a meditação correta, e tiver uma mente límpida, então você poderá enxergar. Enquanto a sua mente estiver sendo agitada por preconceitos, conceitos, interpretações, julgamentos, inquietações, ansiedades, etc., você não consegue ver, porque você está sempre viajando, está sempre vivendo um sonho alucinado, uma espécie de pesadelo leve.
É como se você andasse na rua e ao olhar as pessoas visse que são todos zumbis, visse que está todo mundo com a cabeça numa viagem. Alguns estão até falando sozinhos. Estão tão perturbados por paixões que não podem ver nada com clareza. Nós estávamos falando sobre questões nacionais hoje na hora do almoço, sobre como é necessário não estar agarrado a nenhum ângulo para ver com clareza os muitos ângulos de uma questão, porque se você estiver agarrado a uma interpretação da realidade você não enxergará as outras. É como um diamante com múltiplas facetas: para ver todo o diamante você tem que olhar de todos os lados, não pode se agarrar a nenhum.
O grande problema das pessoas sobre estes aspectos é que elas se agarram a uma interpretação da realidade e descartam todas as outras, de maneira que não conseguem mais enxergar o conjunto, e é isso o que acontece com qualquer fanatismo. O fanatismo religioso também é assim, pensa-se: “só a minha interpretação é certa e todos os outros estão errados”, da mesma forma. É admirável que a existam tantas religiões diferentes no mundo, com tantas interpretações conflitantes umas com as outras e, ainda assim, as pessoas acreditem ser possível que somente a delas esteja certa e as outras não.
A noção do Zen é: na verdade todas as interpretações da realidade são falsas, porque partem do princípio de que tem um eu olhando. Não há uma interpretação que você possa olhar e dizer assim: “esta é a realidade”. É frequente as pessoas perguntarem: “como o budismo explica isso?”. O budismo não explica isso, isso simplesmente não é assunto para o budismo.
Tem a ciência, tem a física, tem a química, etc., todos esses conhecimentos que vão fazendo aproximações e interpretações acerca do início. O que há são indícios, não sabemos realmente as respostas. E o budismo não explica? Não, não explica. Esta nunca foi a tarefa do budismo. O budismo nunca se preocupou em ficar explicando, porque se ele tivesse se preocupado, ele teria se confrontado com as interpretações da ciência.
Na medida que o conhecimento vai avançando, naturalmente vão ocorrendo confrontos, então se um texto diz que o mundo é de tal forma e o conhecimento avança provando que não é bem assim, o que você faz com o texto?
A todo tempo aparecem pessoas prevendo o fim do mundo, porque somaram alguns números em um texto antigo que indicavam essa situação, ou porque viram em um livro que eles acreditam ser correto e escrito, claro, não por um homem tão delirante quanto ele, mas sim ditado por uma divindade, o que é absolutamente falso.
Todos os textos budistas foram escritos por homens, todos, e por isso eu posso olhar qualquer um dos textos e dizer: “tudo bem, com este aqui eu concordo, com aquele ali não”, porque temos que ter liberdade crítica sobre os textos, eles não são de origem divina, extraordinária ou algo assim. São todos escritos por homens como eu, que fizeram raciocínios, muitos deles são de fato brilhantes e fazem ótimos raciocínios.
Vemos muitas coisas nos textos budistas que são admiráveis, sobre a interpretação do tempo, sobre o universo, coisas que hoje, depois de 1905 ( início da Física moderna), começam a fazer sentido para nós. Conhecimentos que com a declaração de Copenhague em 1930 passaram a fazer sentido. Declarações a respeito de universos cíclicos ou de durações imensuráveis de tempo, onde o tempo é visto não como algo que corre de um passado para um futuro, mas onde tudo está concentrado, sendo um único lugar que contém passado e futuro.
Essas são interpretações completamente diferentes da física newtoniana e que só começam a fazer sentido hoje, apesar de haver textos budistas bem anteriores que alcançaram este tipo de raciocínio através unicamente do exercício da meditação, ou seja, de um processo que é radicalmente diferente da investigação das ciências naturais e no qual há muito terreno para percorrer ainda.