A pura percepção do presente | Monge Genshô

A pura percepção do presente | Monge Genshô

Clarice Lispector diz, em um trecho de seus escritos: “viver ultrapassa qualquer entendimento”. Ela queria dizer que, ao colocar nossa mente em funcionamento, na tentativa de entender, nós nos perdemos completamente da percepção pura.

A percepção mais pura, mais completa, não pode ser traduzida pelos símbolos da linguagem. Como instrumento a linguagem é uma maravilha, é tudo o que temos para nos comunicarmos. Mas, na verdade, é um código, uma convenção, uma representação entre a realidade tal como verdadeiramente é e a nossa mente, que usa, então, os artifícios de classificar, discriminar, colocar em prateleiras cada ideia, cada pensamento, anexando etiquetas para que possamos compreender dentro de uma estrutura aquilo que queremos entender. Ao fazer isto, perdemos a percepção pura. 

Quando pedimos às pessoas que se sentem em zazen e não usem o instrumento do pensamento para tentar entender, elas se sentem muito perdidas, porque foram treinadas, desde a infância a tentar traduzir tudo em linguagem, em pensamento, em representação, em visualização. 

Mas não queremos apagar a atividade mental. Até dizer “não pensar” está errado, porque estamos além do pensar e do não pensar. Perceber puramente o momento presente, sem tentar interpretá-lo: esse é nosso verdadeiro desafio. Voltar à inocência de quem não aprendeu a falar ainda e ver tudo como novo, ver tudo além do entender. 

É isso que estamos fazendo: voltando à nossa natureza original, voltando à nossa verdadeira natureza, além da atividade mental, mais acordados do que nunca, em completa vigília; nem sonhando, nem imaginando, nem traduzindo em códigos, nem colocando em prateleiras, nem classificando, nem etiquetando, apenas sendo. Sendo um com todos os seres, porque como disse Clarice: “viver ultrapassa qualquer entendimento”.

Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.