Vamos comentar um pouco sobre o que é a prática e o que é a iluminação.
Existem duas grandes correntes no Zen. Uma delas é a que considera que a prática em si, é a iluminação. Essa corrente tornou-se bastante forte e muito popular entre monges e mestres. Ela tenta deixar de lado o que é o “kensho” ou o “satori” como eventos místicos e psicológicos de grande profundidade, e essa corrente dentro da Soto Zen se concentra na prática em si. Ela diz – “não pense nada, não procure nada, não ambicione, você deve se concentrar na forma”- ou seja, entre no zendo com determinado pé, faça o gasshô concentradamente, procure a forma perfeita, sente-se ereto, quieto na melhor forma possível, não se mova, faça seu oryoki com a máxima precisão, faça seu mudra certo, não o deixe torto, não faça nada que não seja perfeito, procure a perfeição no seu ato, conserve sua boca fechada em silêncio, pratique o silêncio da prática do sesshin, não deixe sua mente se dispersar, tente seguir cada coisa com a máxima precisão.
Essa corrente portanto, diz que a prática é a iluminação. Não é propriamente a corrente da nossa linhagem. A nossa linhagem, a linhagem de Saikawa Roshi, é uma linhagem que enfatiza, que dá ênfase a um outro lado, que é do acordar, da experiência mística. O que caracteriza os mestres dessa corrente são as perguntas como – “Quem sou eu”? – ou – “Qual era minha face antes dos meus pais terem nascido”? – nossa corrente enfatiza a procura da experiência mística.
A “forma” nessa corrente é importante, mas se há qualquer engano ou erro, ele não é tomado como erro capital, mas sim um erro que acontece, “não faço perfeito, ninguém faz perfeito”. Tentamos, mas não é nada trágico se alguém troca o pé e entra na sala com o outro pé. Ele se distraiu, mas a gente sabe que naquele momento a mente dele viajou e ele não fez certo, e não fazemos disso um grande acontecimento. Em vez de dizer – “faça certo, preste atenção” – os mestres desta linhagem dizem – “tente, se errar não tem importância, na próxima vez a gente faz melhor”. Os ritos e as cerimônias são importantes, são relevantes, mas não são a essência da prática, o sentido é a experiência mística, é ela a iluminação.
Então você procura a experiência, mas como é que se procura a experiência? Procura-se a experiência através do zazen e de procurar acordar, enxergar a realidade da vida através de uma experiência pessoal. Difícil de descrever, mas é caracterizada por emoções, por percepções, insights profundos. As descrições são um tanto obscuras como dizer – “subitamente céus e terra desabaram com estrépito” ou “uma luz dourada envolveu todas as coisas” ou ainda “subitamente uma grande alegria me invadiu e todas as coisas que pareciam ter importância, deixaram de ter. As coisas da vida passaram a ser apenas eventos como de um sonho, e enxerguei o fundo da vida. E o relevante nesse “fundo da vida” é algo diferente do que pensara até então”, descrições como ”sinto-me conectado a todas as coisas e o receio da morte desapareceu completamente”.