Por favor, sentem-se em zazen, não se levem muito a sério, tentem se livrar de vocês mesmos, essa é a nossa chance. Sesshin é uma grande oportunidade de ter uma experiência mais profunda. Por isso fazemos um zazen atrás do outro. Não desperdicem o zazen. Essa aventura de despertar é a aventura principal. Só ela pode nos livrar dessa prisão de eternos retornos, de manifestações humanas sempre começando. Não estou preparado para ser um Buda e não estarei provavelmente, de forma que sei que vou voltar. Tento ser um bom pai para meu filho e digo assim: “quando eu for renascer quero renascer como teu filho, então preste atenção, me trate bem”, porque fico imaginando, a gente vive e morre e depois sem memória nenhuma do que aconteceu no passado, só guardando nossos impulsos, e meus impulsos não são lá essas coisas, tenho maus impulsos, então, de repente, só carregando isso, me ver de novo como um bebê, tomando mamadeira sem nenhum guia, só meus impulsos. Então temos que trabalhar nossos impulsos, nossa maneira de ser, nosso caráter, porque nós só conservamos isso. O carma só leva impulsos, não leva o “eu”.
De forma que, pela tradição, nos manifestamos de novo carregando impulsos, por isso cada pessoa que nasce é diferente, pois carrega suas marcas cármicas, só temos elas e mais nada. Não dá para dizer, “eu sei que isso não dá certo e vou tentar evitar”. A gente tem os mesmos impulsos. E aqueles que têm egos, apegos e desejos, por causa disso, sofrem. Nós sofremos, nós desejamos coisas. Desejamos segurança, filhos, amores, uma boa família e quando as coisas não funcionam como desejaríamos, nós sofremos. Essa é a raiz do sofrimento, aquilo que desejamos e esperamos. Se não tivéssemos nenhum desejo ou esperança não existiria nenhuma expectativa para ser frustrada. Nós sofremos por expectativas frustradas.
4) E quem gosta de sofrer? Entendo que a gente goste de sofrer por isso estamos aqui, pelos impulsos de sofrimento e de coisas boas, não só coisas ruins, existem as coisas boas também…
Monge Genshô – Eu penso que a resposta esteja dentro da pergunta – nós gostamos de sofrer – por isso estamos aqui. Vêm coisas boas e ruins juntas, nós queremos amores, mas nos metemos neles e sabemos que eles terminam. Junto com a aquisição do amor vem o sofrimento da perda. Qualquer coisa que nós guardemos. Eu sempre gostei muito de livros, mas os livros velhos que tenho estão se desfazendo. As folhas vão ficando amarelas, existe uma acidez no papel que o vai destruindo. Para conservar seria necessário um ambiente climatizado, uma bibliotecária cuidando. Esses dias vi um livro com uma dedicatória escrita por meu pai, há cinqüenta e tantos anos, quando eu tinha dez anos, se desfazendo e a escrita vai se desfazendo junto com o papel, e me vem a sensação de que as coisas que a gente dá valor se desfazem. Junto com o presente, vem a deterioração do presente.
Então, junto com todo o prazer, junto com todas as coisas boas, vem as perdas e o sofrimento. Estão inextricavelmente ligados. A vida não é só sofrimento. A vida é alegria, prazer e sofrimento. Uma bela garrafa de bebida e amigos dando risada, no outro dia, ressaca, dor de cabeça, vem tudo junto, não tem como escapar. A gente não consegue separar uma coisa da outra. Um filho nasce, você o ama, um dia ele vai embora e você fica sozinho. Um dia ele casa com uma nora que você não gosta e a nora não quer que ele venha na sua casa. Com o filho vem junto a nora. Está tudo conectado. Junto com a saúde vem a doença. Tem um corpo forte, um atleta. Noutro dia velhice, juntas que não funcionam, artrite, decadência física.