O grande mestre Hakuin disse que todo o gelo, na realidade, é água – o que me faz lembrar que, por nós nos cristalizarmos nas nossas identidades e na nossa separação, ficamos como gelo e somos como icebergs flutuando na água. Mas a prática cumpre a função de derreter o gelo e fazê-lo voltar à sua verdadeira natureza.
Nossa verdadeira natureza não é gelo, é água. Estamos cristalizados, agarrados, congelados nas nossas identidades, na nossa separação. E, assim, não percebemos com clareza a nossa verdadeira natureza de água. Se percebermos isso estaremos acordando para a realidade.
Hakuin prossegue dizendo que a natureza búdica é a natureza de todos nós. Na sua analogia, a água é a natureza búdica, nossa capacidade de sermos um com o todo, em vez de congelados, separados, cristalizados. A nossa capacidade de compreender o todo é que pode nos fazer ser Bodhisattvas. Um Bodhisattva é um ser tomado pela compaixão, pela mente do despertar, pela mente compassiva que percebe que os outros e eu somos uma única natureza, uma única unidade, um único ser. O Bodhisattva é o oposto completo do psicopata. O psicopata, cristalizado em si mesmo, não vê os outros e pouco lhe importa o sofrimento dos outros; só pensa em si, nos seus projetos pessoais, na sua identidade. Os outros são quase como se não existissem: ele pode descartá-los.
Em toda essa analogia, tornar-se Bodhisattva é derreter-se: derreter seu gelo, sua cristalização e integrar-se à natureza búdica, à nossa verdadeira natureza, aquela que procuramos enxergar à medida que descartamos a nós mesmos, que esquecemos de nós mesmos – prática essencial quando estamos fazendo zazen, e que deve se espalhar por todas as nossas atividades.
Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.