Pergunta: Eu já li alguma coisa dizendo que o samadhi é inexplicável e que poderia ser conceituado como “a dissolução da ilusão da separatividade”. É uma experiência momentânea. O que seria então iluminação?
Monge Genshô: Samadhi é concentração, está certa essa descrição que você deu. O fato da gente dizer “ah, é incomunicável”, não altera, pois qualquer experiência é incomunicável. É como perguntar para uma pessoa se já comeu moussaka (comida grega) e pede para outra pessoa explicar para ele o que é: “olha, é como se fosse uma lasanha, só que não é bem uma lasanha. O tempero é diferente. São coisas que só tem lá na Grécia e Turquia. Entendeu o gosto?” (risos). A experiência em si é incomunicável. Se alguém nunca provou sal, como descrever o gosto para a pessoa? Você tem que dar um pouco de sal, a pessoa põe na língua e, “Ah, isto é sal”. Na verdade, toda experiência é incomunicável. Dizer que o samadhi é incomunicável não quer dizer muita coisa.
Mas gostaria de desmistificar. Se você sentar em zazen e conseguir realmente abstrair passado e futuro, conseguindo ficar no presente completamente, isso é samadhi. Naquele momento você sente tudo com nitidez. E se você pensar, “consegui o samadhi”, pronto, acabou. Ele exige que você esteja limpo de considerações, senão você não consegue permanecer ali. Essa experiência não é absurda ou só alcançável através de zazen, porque as pessoas tem essas experiências acidentalmente em sua vida. Experiências muito maravilhosas que duram pouco tempo, mas que estão ali cheias de intensidade. Por exemplo, uma pessoa que vê o mar pela primeira vez. naquele momento que viu o mar, toda aquela informação visual não pode ser colocada em palavras facilmente. Então, naquele momento, aquele instante é samadhi. Só que é perdido rapidamente basta que ela julgue a experiência.
Nós treinamos o zazen porque queremos conseguir o samadhi mais frequente, mais intenso e ser capaz de ter experiências quando quiser. Se você consegue isso é um grande passo, mas não é iluminação. Iluminação é outra coisa. O kensho é uma experiência iluminada. Você vê sua verdadeira natureza. Através do samadhi, atingiu o kensho. O kensho é uma experiência espetacular. Também não precisa ser praticante do Zen para ter. Pode ser muito curto. Normalmente as pessoas descrevem como êxtase, como uma experiência transcendental, as pessoas tentam descrever mas não conseguem facilmente. Mas, todo o resto não importa. Morte não importa, nascimento não importa, não é isso. Kensho está fora deste mundo experiencial que a gente tem.
Agora, Satori é a capacidade de viver em Kensho quando quer, poder chamar a experiência a qualquer momento. Os níveis em que isso acontece são muitos, muito graduados. A gente pode dizer que uma pessoa obteve uma experiência iluminada, obteve iluminação, isso não significa nada de espetacular em relação àquela pessoa. Ela continua sendo um “chato”. Se comporta mal etc. Ele pode ter essa compreensão mas ela não passou para a vida, para passar para a vida é preciso prática profunda.
Sobre isto há uma historinha interessante. Uma mulher vinha caminhando na floresta e viu Shariputra no mato evacuando. E ela olhou para ele e ficou impressionada com a dignidade com que ele estava ali, teve olhos para ver aquele homem ali evacuando. Ela ficou tão impressionada que procurou Buda para ser sua discípula, pois aquilo era extraordinário. Mesmo nas nossas vidas, já vi relatos assim. Uma mulher estava em uma sala, entrou uma monja na sala. A monja tirou os chinelos e colocou-os na prateleira. E quando a mulher viu os gestos da monja, a maneira como entrou, como tirou o chinelo, como colocou, naquele momento a mulher decidiu estudar o Zen, pois queria ser como aquela pessoa, com aqueles gestos. Mas para isso também precisa ter olhos para enxergar. Porque quem não tem olhos para enxergar, não vê estas coisas.