A cegueira de recusar os rituais

A cegueira de recusar os rituais

Às vezes a gente se distrai e erra. A gente cria regras, você entra sempre com o pé esquerdo, sai sempre com o pé direito do zendô. Por quê? O que está por trás disso?
Aluna: A pilastra, mais afastada, mais próxima da imagem central.
Monge Genshô: É, você pode fazer assim. É até uma regra mais sofisticada. Do lado esquerdo da porta entra com o pé esquerdo, se estiver do direito, entra com o pé direito, mas aí já vai complicar muito. Quando você vai num monastério aí aparece esse tipo de regra. A porta é bem grande, se faz uma regra assim…  mas a regra é para prestar atenção. Mas há um espírito em entrar com o pé esquerdo e sair com o direito, por quê?
Aluna: A Rachel nos orientou, lá em Goiânia, a gente sai com a razão e entra com o coração.
Monge Genshô: Não, não valeu. Porque ela disse o que eu disse e você disse o que ela disse.
Aluna: Mas a gente perguntou e ela explicou…
Monge Genshô: Sim está certo, é isso mesmo, mas não valeu porque tinha que ser alguém que chegasse lá sem a explicação. Uma explicação possível é essa que a Rachel deu. Nós entramos com a intuição, pois aquele é um espaço intuitivo. E quando você sai, sai para esse mundo de fora que é o mundo da razão, raciocinado, dual, não intuitivo.
Só que o ritual tem essas coisas dentro dele que o aluno tem que descobrir sozinho. Até quando a gente explica, rouba a oportunidade de ter um insight, pois já deu uma solução pronta para ele. Então vocês tinham que pensar “porque giramos sempre no sentido horário. Por que o ombro direito tem que ficar voltado para o centro?” Vocês têm que ter insight a esse respeito, não é repetir como papagaios o ritual. O ritual dentro dele tem uma linguagem que é a linguagem do inconsciente. Nós não sonhamos com símbolos?
O ritual é como se houvesse um sonho e recebesse símbolos. Você tem que entendê-lo não com sua mente consciente raciocinada, mas dando um salto intuitivo. Se você der esse salto, você tem uma lição importante para você mesmo. Então nós temos que olhar o ritual com outros olhos. Ele não existe por si mesmo, solto no espaço, sem significado. Um bom ritual tem significados simbólicos e fala ao inconsciente, porque é a linguagem do inconsciente. Por isso fazemos ritos e cerimônias. Quando as pessoas dizem, “eu não gosto de ritual”, na verdade eles não sabem o que estão falando.
Como expliquei para um rapaz esses dias, ele disse: “eu não gosto de rituais” e eu disse: “não é verdade, porque você entrou aqui nessa sala e me estendeu a mão. Eu apertei sua mão. Se eu tivesse ignorado sua mão você ficaria ofendido, não?” Estender apertar a mão de alguém é um ritual que significa, “eu estou desarmado”, pois se pegava a espada com a mão direita. Quando se passou a estender a mão para cumprimentar, passou a significar: “Não vou pegar a espada. Venho em paz”. Por isso que apertamos as mãos, só que todo mundo já esqueceu. Apertam as mãos como uma convenção, não sabem o que estão fazendo. Não é verdade que você não gosta de rituais, você pratica rituais sua vida inteira e até se incomoda quando os outros não participam dos rituais que você está habituado.
Agora, quando nós aprendemos outros rituais, outros códigos, estamos acessando outras fontes de conhecimento, não podemos esquecer disso. Isso é sofisticado, não é um simples “eu não entendi, então não serve, não presta”. “Aquilo que não conheço, que não é da minha cultura, não presta”. Isso é cegueira.