Em toda a arte do ocidente o retrato e a estátua representativa do líder ocupa um papel muito importante. Se percorrermos os museus vemos o quão importante foi para os pintores fazer retratos dos poderosos e dos homens que podiam pagar para ter uma pintura de seu rosto. Desde o tempo dos romanos e dos gregos, estátuas e bustos dos poderosos foram parte central da arte.
No entanto quando vemos a arte do extremo oriente a representação mais frequente é da natureza e o homem é representado muito pequeno, como apenas um detalhe dentro dos quadros. A arte do retrato, como a conhecemos no ocidente não se desenvolveu da mesma forma no oriente e isso é porque o homem é visto como mais um na natureza e não como seu dono, nem com direitos sobre os animais ou sobre a terra, como se ela tivesse lhe sido dada por uma divindade semelhante ao homem.
Esse foco no eu e no indivíduo proporcionou ao ocidente várias coisas muito interessantes no domínio da técnica e no domínio do mundo, mas reis budistas na Índia e no Sri Lanka, séculos antes de Cristo, estabeleceram reservas naturais, fundaram escolas, hospitais e as universidades budistas antecedem em muitos séculos as primeiras universidades do ocidente. Isso marca a centralidade da natureza e o respeito ao universo que nos rodeia em lugar da ideia de um homem dominante e com direito a tudo e a todos.
Nós praticantes do zen agora mesmo, como budistas, devemos compreender essa ideia de participação com tudo e com todos os seres em lugar da ideia de dominância, de posse e de reinado, que herdamos da cultura do ocidente. A vantagem da cultura do ocidente foi o domínio da técnica, o domínio das armas e a sistematização da ciência.
A vantagem do oriente foi não ver o homem como centralidade e ter respeito por tudo que nos rodeia. Se olharmos um pequeno país como o Japão, ainda hoje, o tamanho do território coberto por florestas é percentualmente maior do que o do Brasil. 70% do Japão hoje está coberto por florestas. Isso sucedeu porque 700 anos atrás um édito imperial colocou essa questão, por influência do budismo. O budismo pesa na imagem do mundo e isso traz uma outra vantagem porque corremos sérios riscos hoje de que nosso domínio técnico nos leve a destruir nosso ambiente natural e isso pode criar enormes dificuldades para a própria humanidade.
Acreditamos que é mudando os homens por dentro que podemos mudar a sociedade e isso já foi demonstrado várias vezes nesses dois milênios e meio. Infelizmente a técnica também permite o domínio militar e o domínio militar foi um grande inimigo do budismo, durante todo esse tempo de história.
O budismo praticamente foi expulso da Índia e reabsorvido sob formas de um budismo escondido, cripto budismo, para poder sobreviver. Já foi exterminado na China três vezes, sem contarmos a vez do Século XX. Já foi combatido no Japão para que o militarismo se instaurasse, no final do Séc. XIX, ocasionando um grande desastre pelo ímpeto de conquistas do império japonês.
O budismo no ocidente, nas Américas, tem menos de 100 anos e recentemente começou a crescer, mas quase não aparece nas estatísticas. Estamos mergulhados num mundo de individualidade, egoísmo e ideias de domínio sobre a natureza. Uma nova corrida armamentista se instaura no mundo inteiro. Vivemos tempos perigosos e a nossa visão do mundo precisa ser espalhada para diminuir esse perigo e a destruição que estamos causando.
Então ao sentarmos em zazen estamos mudando a mente do mundo, estamos influenciando tudo que nos rodeia. Parecemos estar parados, mas não é verdade. Esse ato no passado propiciou grande influência e mudou sociedades inteiras. Percebamos a importância e a força do nosso sentar.
Teisho matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, setembro de 2020.