O Oitavo Elo – Parte 2 | Monge Genshō

O Oitavo Elo – Parte 2 | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

A partir das escolhas, nós nos ligamos a um determinado tipo de coisa e queremos então, repetir a experiência prazerosa. Às vezes, aquela experiência prazerosa, que era mínima no início, como no exemplo do selo, torna-se cada vez maior, mais forte e gigantesca. É uma espécie, como diríamos no Budismo, de aprisionamento, e o aprisionamento é aquilo que nos tira a liberdade. E tirando a nossa liberdade, nos tiramos do caminho budista de libertação, pois a nossa liberdade se vinculou a algo. Isso acontece com a riqueza, por exemplo, com o acúmulo de dinheiro ou de qualquer bem material.
Tṛ́ṣṇā, essa ânsia, é aprisionadora por causa das experiências que nasceram lá no início com a nossa ignorância e foram caminhando até a consciência, até as escolhas. E agora estamos no ponto em que vemos a ânsia que nos aprisiona por alguma coisa, que em algum momento nós escolhemos, e a ela nos ligamos fortemente, queremos repetir e não imaginamos a vida sem aquele item, ou sem o acúmulo desse tipo de coisa.
Nós podemos examinar facilmente as nossas vidas e descobrir coisas semelhantes, que de alguma maneira nos aprisionaram. E aí, este aprisionamento leva ao sofrimento, porque a perda de qualquer coisa pela qual eu ansiei, acumulei, guardei, me liguei, leva ao sofrimento. O que nos leva à sincera frase que eu já repeti várias vezes: onde você coloca seu coração, aí vai estar seu sofrimento.
É interessante observar que é impossível viver sem colocar seu coração em algo. Sempre há algo em que você coloca seu coração e estes aprisionamentos, que podem ser até o próprio Budismo, por exemplo, ou os livros budistas da minha estante, ou os objetos da minha prática, também podem se transformar em aprisionamentos.
Devemos saber que a nossa liberdade depende de não estarmos verdadeiramente prisioneiros, de sabermos que temos liberdade plena em relação a todas as coisas. Vejam que no caso do Zen, por exemplo, uma pergunta que eu ouço frequentemente é: como eu me torno budista? A pessoa espera um determinado ritual, uma coisa como uma conversão, ou algo parecido. E a resposta é que não existe isso.
Não existe isso em absoluto no Zen. Você se torna budista, eu costumo responder, você se torna budista quando o recenseador do IBGE chega à sua porta e pergunta: qual é a sua religião? E você responde: eu sou budista. Aí sim você é budista. Trata-se de uma decisão sua, e não de um ritual ou de alguma coisa parecida. Todos os processos dentro do Zen, por exemplo costurar um rakusu e fazer os votos, são processos que demandam tempo, exigências, e que não são fáceis, propositalmente, porque não queremos criar algo para aprisionar as pessoas em uma identidade, não se trata disso.
Não se trata de ter uma identidade budista, mas sim de se declarar budista. Quando você percebe ou sente isso, mas não está vinculado a uma forma de qualquer de compromisso. Isso até acontece com os monges. Se um monge quiser deixar de ser monge, ele só precisa escrever uma carta dizendo: eu quero deixar de ser monge, estou lhe remetendo o meu manto. Espero que seja útil para outra pessoa. E ele deixa de ser monge. Nós chamamos de tirar as vestes.
Você tira suas vestes e pronto. Não existe nenhum documento, nenhum ritual, não existe nada a respeito.
Você quer deixar de ser monge? Para ser monge dá bastante trabalho, mas você quer deixar de ser monge? A porta está aberta. É muito simples. É uma decisão simples e que não tem nenhuma forma qualquer de opróbrio, de dizer que está errado. Porque a marca do Budismo é liberdade. A marca da nossa prática, é liberdade plena.
Como às vezes, eu digo, nós não somos uma seita. Quando alguém para de vir às reuniões nós não vamos atrás dessa pessoa a dizer, volte. Nós não vamos. Ela é livre para ir e para vir. Completamente livre.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no ano de 2024.