O Oitavo Elo – Parte 1 | Monge Genshō

O Oitavo Elo – Parte 1 | Monge Genshō

O Oitavo Passo normalmente é chamado em português de “desejo”, mas a palavra em sânscrito é Tṛ́ṣṇā. Isso causa bastante confusão e vamos falar um pouco a respeito. Surge uma pergunta frequentemente dizendo que o Budismo é avesso ao desejo e até tem uma visão negativa da vida. Isso não é verdade e vamos explicar o porquê.

A palavra “desejo”, em português, é muito ampla e ela inclui todas as coisas. Desejos maus, desejos bons, desejos de se vingar, a palavra quer dizer isso. Pode ser o desejo de ajudar os outros, por exemplo. Então ela não serve para expressar o que queremos dizer a respeito no Budismo. A palavra em sânscrito é Tṛ́ṣṇā, para o Oitavo Elo da Originação Dependente.

Em sânscrito existem múltiplas palavras para desejo. Cada tipo de desejo tem uma palavra especial. Por exemplo, o desejo de defender sua opinião, que na nossa organização da Daissen, é enfatizado como uma coisa negativa. Por isso mesmo, vedamos as discussões ou debates dentro das comunidades, porque os debates e discussões levam a um grande desejo de defender suas opiniões, de discutir, de provar que estou certo e de me tornar de alguma maneira superior aos outros. Esse desejo em sânscrito, por exemplo, é chamado de Diṭṭhi.

Então, o que seria o desejo de que estamos falando na Originação Dependente? O significado real da palavra Tṛ́ṣṇā é “sede”. Sede de realizar algo, de fazer alguma coisa, de experimentar alguma coisa. Lembram que no Elo anterior, Vedanā, estávamos falando em escolhas. Escolhas que surgem a partir de uma decisão qualquer, gosto disso ou não gosto daquilo. A partir do momento que experimentamos uma coisa prazerosa, queremos repeti-la. E isto, esta repetição, cria um desencadeamento muito forte, que leva as pessoas a condutas, às vezes, neuróticas.

Por exemplo, nós vemos os acumuladores. Eles têm o desejo de acumular coisas e não conseguem jogar nada fora. Nos casos mais graves, você vai na casa de um acumulador e ela está cheia de coisas que chamaríamos de lixo, porque ele não pode jogar nada fora. Então, ele vai acumulando, somando coisas, até que a casa fique atulhada e seja necessária alguma intervenção, às vezes da própria saúde pública, porque o acumulador perdeu completamente o controle ou a crítica sobre o que está acontecendo.

Em casos moderados, e nós certamente conhecemos, por exemplo, colecionadores fanáticos. Eu já conheci colecionadores de tudo, de bonés, de distintivos, de qualquer coisa. E há bastante tradição na coleção de moedas, por exemplo, ou de selos. Mas o que está por trás dessa conduta, esse impulso de acumular? Por trás desta conduta veio uma primeira experiência, que pareceu prazerosa. Ganhei um selo estrangeiro muito bonito, então quero colocar um outro selo semelhante junto. Daqui um pouco eu começo a ter uma coleção de selos com aquele tema, ou daquele país, etc.

À medida que eu procuro, pode ser que a minha ânsia, minha Tṛ́ṣṇā sobre isso, torne-se doentia. A tal ponto de eu passar a gastar muito dinheiro para obter um item que está faltando na minha coleção, eu posso até mesmo viajar para tentar obter aquilo.

Aquilo torna-se o sentido da vida, porque eu transferi tudo para aquela ânsia, nesse caso, de acumular. Então, o que interessa para nós, é distinguirmos com clareza o que significa a palavra desejo, em português, da palavra Tṛ́ṣṇā – a ânsia, em sânscrito, que é o Oitavo Elo.

[CONTINUAÇÃO]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no ano de 2024.