Se sentir completo | Monge Genshô

Se sentir completo | Monge Genshô

Uma antiga lenda judaica fala que, originalmente, o homem foi criado inteiro e depois foi partido em dois: homem e mulher. E que, então, os homens andariam pela Terra tentando encontrar a sua metade perdida. 

Um escritor português, Valter Hugo Mãe, começa um de seus livros com um personagem que sempre se sente metade. Ele se olha no espelho e vê apenas metade, acha que suas palavras são pela metade e que não consegue se comunicar perfeitamente. Então ele compra um grande boneco de pano e se abraça a ele tentando se sentir completo. 

Essas lendas e histórias mostram o quanto nós nos sentimos divorciados de nós mesmos e procuramos companheiros e companheiras, procuramos sentido para a existência, queremos fazer algo que nos faça sentir, de novo, completos. 

O budismo tem outra perspectiva: nós somos completos. Nós e todo o universo somos uma unidade interconectada, interdependente, uma grande rede auto pertencente. 

Contamos uma outra antiga lenda, a Rede de Indra, que é o próprio universo, é uma rede em que cada intersecção tem uma jóia, que é um espelho perfeito, de modo que cada uma, cada pequena unidade, reflete todas as outras. E todas outras estão ligadas entre si em um imenso jogo de auto reflexo. Então cada unidade é todo o universo, cada pequena partícula, e o universo todo não é nada mais do que um imenso complexo de reflexos, todos eles completos em si mesmos.

Do ponto de vista budista somos completos e nos sentimos incompletos porque acreditamos estar separados, nos esquecemos de refletir todo o restante. É como se tivéssemos nos tornado uma dessas pequenas jóias das intersecções da Rede de Indra só que opaco, incapaz de refletir todo o resto, incapaz de esquecer de si mesmo e ser um com todo o restante. 

Sentamo-nos em zazen e esquecemos de nós mesmos. Mergulhamos na percepção da completa reflexão de todas as coisas, tudo aceitando e nada rejeitando. Desta forma, toda a sensação de incompletude, toda percepção de fins e inícios se dissolve nessa imensa rede autorreflexiva. É somente isso: nós e o universo somos um. 

Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, maio de 2021.