(…) Alguém me perguntou, por que é que na Síria, drusos, que são cristãos, alauítas, sunitas e xiitas se matam uns aos outros? Eu respondi: porque têm medo, porque cada grupo tem medo que o outro tome o poder, e se um grupo tomar o poder, vai esmagar os outros. Então quem tem medo é obrigado pelo receio a pegar em armas para lutar. Esse tipo de luta só acaba quando um grupo domina todo mundo. Quando ele domina, se instala uma relativa paz, fervendo embaixo da tampa, mas, propiciada pelo domínio de um grupo. Quando esse equilíbrio se quebra como ocorreu na Síria, os grupos começam a lutar uns contra os outros, então o que fazem os homens lutarem uns com os outros? O medo.
Só que os homens gostam de levantar bandeiras, como acontece com times de futebol. Um levanta uma bandeira, outro levanta outra. As bandeiras não significam coisa alguma, são fantasias, construções mentais. Nomes, hinos, mas eles são capazes de sair pela rua, brigar e matar o outro, porque o outro pertence à outra tribo, essa noção de separação de que eu sou diferente do outro, aquela tribo é diferente da minha, está na raiz do medo e é uma tradição da humanidade, sempre tentando exterminar o diferente.
Vocês todos aqui são descendentes de homo sapiens. Nós acabamos com os neandertais, não foi? Onde nós encontramos os diferentes, nós fomos exterminando. Aqui no Brasil, havia milhões de índios, nós acabamos com os índios, porque eles eram diferentes. Os europeus importaram os negros da Africa, porque os negros estavam acostumados a uma sociedade escravocrata, em que os negros escravizavam negros, eles próprios vendiam escravos, isso já estava estabelecido, então eles estavam habituados a uma sociedade de trabalho forçado, e nós fizemos uma sociedade que vê o trabalho como uma coisa negativa, o bom é ser senhor, o que nada faz e se aproveita do esforço alheio. Depois nos admiramos dos resultados. Mas os resultados vêm da origem do pensamento. Porque pensamos assim no início.
Então o que Buda fez? Buda raspou sua cabeça, e todos os monges também rasparam suas cabeças, porque naquela época os cabelos mostravam a que casta você pertencia, então não temos mais castas, você entrou na sangha budista, não importa se é pária, se é brâmane, se é xátria, somos todos iguais, somos monges, somos todos iguais, vestimos igual. Ninguém mais é diferente um do outro. 600 anos antes de Cristo, Buda admitiu as mulheres como monjas, mestres etc, essa é a tradição budista, porque ele disse que homens e mulheres são iguais em sua capacidade de alcançar a iluminação, e ponto final.
Pensem olhando para o mundo de hoje, onde ainda existe tanta diferença entre homens e mulheres, porque nós admitimos religiões que privilegiam um lado ou outro, porque nós temos religiões em que as mulheres são sacerdotisas e os homens são de segunda classe, que isso também acontece.. Você tem uma distinção entre as pessoas, porque se criou a separação, e quando se criou a separação, você criou problema. Então a separação é que tem que ser dissolvida. Nós não podemos enfatizar a separação, os sexos, as tribos, as raças, nada disso deveria ser enfatizado, a lição de Buda é: raspe a cabeça, vista igual, somos todos iguais, a mesma coisa, esqueçam tradições e textos que tentam consolidar a diferença e justifica-la.
Mas ele incluiu mais do que isso, porque ele disse não só os homens e as mulheres, mas ele disse “todos os seres”. Todos os seres sencientes, todos os seres cientes da sua existência são iguais, no seu direito a evitar o sofrimento. Essa é a lição verdadeira de Buda.
Texto proferido por Meihô Genshô Sensei, publicado/2014.