Pensamentos infernais | Monge Genshô

Pensamentos infernais | Monge Genshô

Em um Sutra, Buddha ensina como substituir uma atitude mental ou um pensamento por outro e ele usa a imagem da cavilha de madeira. Diz-se que um marceneiro quando tem uma cavilha de madeira apodrecida numa estrutura ele retira seus restos e martela em cima uma cavilha nova. Martela com força até que ela ocupe todo o espaço e substitua a anterior.

Às vezes alunos me falam sobre seus pensamentos turbulentos que se apresentam em suas mentes. Pensamentos negativos, de vingança, ou de aversão, ou pensamentos sensuais, quaisquer fortes pensamentos de todas essas paixões que nos assolam tão frequentemente. Então eu explico que zazen também pode ser naraka zazen. Naraka significa inferno, e isso acontece quando temos pensamentos que caracterizam os mundos infernais como o ódio, a raiva, a aversão, ou seja, pensamentos profundamente egoístas. 

Conta-se que um homem estava no inferno e nesse inferno tinha que empurrar, ele e seus companheiros, carroças na lama e eram chicoteados continuamente, de maneira que não podiam olhar para o lado. Por vezes alguém caia na lama e ninguém ajudava, porque se o fizesse seria mais chicoteado ainda. Um dia esse homem empurrando a carroça vê seu companheiro do lado cair e então o invade um sentimento de compaixão e apesar dos chicotes ele se inclina e ajuda o companheiro a levantar-se, o apoia e coloca seu braço sobre os ombros sem se importar com as chicotadas que recebe. Neste momento esse homem sai do inferno.

A imagem quer dizer: pensamentos diversos podem surgir em nossas mentes, mas tanto o inferno, quanto esses pensamentos que o constituem podem desaparecer se simplesmente um outro mais elevado tomar o seu lugar. Assim como a imagem da cavilha de madeira no discurso de Buddha.

Quando sentados à frente da parede vemos surgir nosso verdadeiro retrato: a nossa mente atual. O que devemos fazer é substituir qualquer pensamento negativo com seu oposto, ou seja, com uma nova cavilha de madeira. Se sentirmos raiva devemos pensar numa qualidade daquela pessoa de quem sentimos raiva e acharmos um sentimento de compaixão para colocar no lugar. Devemos sempre procurar a origem. A origem do ciúme é o desejo de posse. A origem da mágoa é o orgulho ferido. As fantasias de glória, de fama e honra, provêm da nossa vaidade.

Assim, a cada pensamento que caracterize os mundos infernais devemos colocar em seu lugar os pensamentos mais elevados possíveis e martelar em cima até que substituam os antigos. À medida em que fizermos este trabalho, lenta e constantemente, transformaremos a nossa mente e teremos construído um novo edifício.

Trata-se de trabalhar para substituir. Trabalhar para mudar. A grande vantagem do zazen é que não há ninguém para você enganar, quando você olha para a parede vê você mesmo. Sua mente. Sua verdade. Ela é isto neste momento, mas não quer dizer que tenha que ser sempre assim, porque você com este trabalho pode mudar esta mente por outra muito mais elevada. É isso que fazemos com nossa prática. Buddha nos mostrou que é possível.

Teishô Matinal proferida por Meihô Genshô Sensei, dezembro de 2020.