Todos vocês devem ter tido a mesma experiência praticando, porque a mente não se cansa de trazer aqueles pensamentos que são perturbadores, mas quando você não faz zazen, fica alimentando esses pensamentos. Você pensa de novo, reelabora de novo, reforça, acha mais aspectos, mais nuances dos acontecimentos e vai reforçando.
Tem uma anedota que uma pessoa chega no psiquiatra e diz assim: “doutor, eu tenho raiva daquela mulher que me deixou, sinto tristeza pelo fim do relacionamento”, e o psiquiatra diz que é natural após uma separação que você tenha tantos problemas, tantas recordações a respeito do seu relacionamento que acabou, não é absurdo, e então pergunta: “quanto tempo faz que você se separou?” e recebe como resposta: “faz 14 anos”. Isso mostra como a pessoa pode ficar presa.
A graça que nos faz sorrir da piada é o fato da gente compreender que alguém não consiga se livrar de um acontecimento, que o fica reprisando, voltando a ele sem fim, sofrendo de novo e de novo. Então, não é que você, pelo fato de fazer zazen, vai solucionar todos os acontecimentos ruins passando 40 minutos sentado. O que acontece é que quem faz zazen livra-se em tempo bem mais curto do que quem não pratica, essa é a verdade.
Quem faz zazen há 6 meses, supera algo rapidamente, o outro está há 14 anos reprisando o problema, mas quando o aluno vem e conta sobre o problema, isso na verdade não é bom porque mexe nele, realimenta, aumenta o problema e se você alimenta, ele aumenta. Melhor é entender como funciona zazen, e entender o zazen é ter a atitude de: “não vou falar sobre o problema, não vou comentar e se possível não vou pensar a respeito, se eu conseguir realmente desligar, não é recalcar, é desligar, resolve”.
A essência da vida está bem representada naquela historieta zen do homem que cai num precipício após ser perseguido por um tigre, se agarra num arbusto, olha para baixo e encontra o tigre lá esperando a sua queda, então ele olha para as raízes do arbusto vê dois ratos, um branco e um preto, roendo as raízes do arbusto em que ele está agarrado. Ele não tem saída, mas vê num galho do arbusto frutos maduros, vermelhos e pega um e coloca na boca e sente o sabor do doce, então ele saboreia, “que delícia”. Acabou a história.
Nós vivemos assim, a vida corre atrás de nós com vários problemas, nós pulamos no precipício e nos agarramos no arbusto, vemos o rato preto e o rato branco, o dia e a noite, roem as raízes de qualquer arbusto que a gente se agarre e mais cedo ou mais tarde a gente vai cair, porque lá embaixo nos espera o tigre da morte. Mas no arbusto tem frutos doces vermelhos, coloco na boca e eles são deliciosos. Esse é o sentido da vida. A vida tem turbulência, tem fim, mas também tem frutos doces e vermelhos que são deliciosos de serem comidos. Então, um homem apavorado, perturbado com medo do tigre lá de baixo, com o tigre de cima, com medo do tempo que passa roendo as raízes e que vai derrubá-lo, esse homem, se ficar apavorado, não come os frutos e se agarra na árvore com as duas mãos. Para comer os frutos você precisa segurar com uma mão, ir lá e pegar o fruto com a outra mão para colocar na boca. Significa que nós precisamos levar a vida com uma certa leveza, sem dar tanta importância para o tigre de cima e nem para o tigre de baixo, mas dar importância para os frutos vermelhos. Se a gente fizer isso, a vida tem bastante gosto, se a gente não fizer e ficar só aferrado, agarrando com as duas mãos, inevitavelmente um dia caímos, é só isso. É claro que tem muitas outras considerações a se fazer sobre a vida, nós não falamos sobre continuidade, não falamos sobre carma, novas manifestações, mas nós todos que estamos aqui, estamos na situação daquele homem pendurado, e as lições que podemos tirar é: não ligue tanto para o tigre de cima ou para o tigre de baixo, coma os frutos.
[Trecho de palestra proferida por Meihō Genshō Sensei]