Na outra margem

A pergunta é: nós estamos vivendo ou é a vida que está nos vivendo? De certa maneira nós estamos vivendo, mas de outra maneira mais ampla a vida inteira está nos vivendo. Nós somos apenas parte da vida. Nós é que pensamos que somos especiais, indivíduos que precisam se iluminar para ver as coisas tais como são. Se vocês olharem pela janela e perguntarem, mas e esta árvore ali fora, no meio de toda esta floresta, ela precisa se iluminar? Não, ela não cogita, não pensa. Ela vive naturalmente. Como ela vive naturalmente nem teme a morte. Ela partilha a existência dela com a floresta. Ela não é indivíduo. É a própria floresta. Quando ela morre dela nascem outras árvores. Ela aduba o solo.Coisas assim acontecem. A floresta é que é o ser, o grande ser, e as árvores em si, nascendo e morrendo, não tem muita importância. Existe um equilíbrio nisso. Nós conseguimos entender isso olhando para a floresta. Nós temos enorme dificuldade para entender isso olhando para os seres humanos. É por isso que quando morre um ser humano nós choramos ou nos entristecemos. Quando nascem nos alegramos, é assim porque nós vemos todos os seres humanos como indivíduos, porque olhamos para nós como indivíduos. Se nós apagássemos esta noção de que somos indivíduos separados e nos sentíssemos a humanidade, ou mais do que a humanidade, nos sentíssemos como – a vida; nascimento e morte não teriam mais importância. Por não conseguirmos enxergar assim é que tememos a morte, por isso nós sofremos, ficamos na margem de cá, porque a margem de lá seria a percepção com sabedoria de Prajna Paramita. A percepção da outra margem não tem essas angústias. Porque ela também não tem mais a noção de um eu. Budismo parece muito complicado. Falamos muito, ensinamos muito sobre muitos aspectos filosóficos, mas se nós fossemos resumir o budismo seria com isso – não há um eu.Não há um eu intrínseco a coisa alguma. Se nós conseguíssemos desconstruir esse eu tudo estaria resolvido.