Primeiro Dokusan

“Tanta coisa…que dizer? Tenho vontade de contar-lhe minha inteira vida. De que alguém me escute com aquela atenção perfeita. O tempo parece parado enquanto ele me olha atentamente, calmo e concentrado no meu olhar. Sinto que todo os meus gestos, postura e respiração estão sob seu escrutínio, mas que nenhuma crítica surge em seu semblante de acolhimento. Falo que a experiência de sentar é magnífica, que estou descobrindo coisas. Ele sorri e diz: “Bom”. Me aconselha a ir mais fundo, não cogitar, não examinar e julgar. Procure sua verdadeira natureza, repete. Todo o tempo me olha profundamente, como quem fala com um filho querido. O mundo inteiro se resume aquela sala, a mesa, o diálogo de duas pessoas imensamente interessadas no que estão fazendo. Não faz mais perguntas e simplesmente espera que eu me despeça. Faço gasshô que ele responde, lentamente, sem parecer automático, concentrado plenamente. Acho que estou desperdiçando uma oportunidade importante, mas não sei usa-la melhor. Levanto-me e me prostro novamente sob seu olhar atento. Enquanto o faço me sinto emocionado, não sei porque. Levanto-me e saio da sala, e descendo as escadas meus olhos estão úmidos. O que sucedeu? A sua presença? O que estou atribuindo a ele? Seu olhar despretencioso? O sorriso acolhedor? Não sei, nada tem a ver com as palavras, é algo dentro de mim.”

Trecho do livro “O Pico da montanha” ficção com tema do treinamento zen.