Prefácio à Edição Brasileira
do Sutra de Hui Neng, traduzido e editado por Tam Huyen Van
“Este trabalho é como uma voz que nos fala de 13 séculos, ecoando nas montanhas da China e reverberando até um ocidente que nem era uma terra conhecida àquele tempo, tampouco nela se vislumbrava o futuro estabelecimento da civilização do extremo ocidente. O budismo dirigiu-se sem parar para o Leste, e assim, paradoxalmente, como é comum no zen, chegou ao Oeste. Em cada lugar onde floresceu conheceu uma época dourada e depois uma lenta decadência, agora parece ser o momento do início áureo no ocidente, de modo auspicioso, textos produzidos nas Américas começam a ser lidos no oriente, e o impulso de estudar e praticar ressurge nos países do Leste, levado pelas mãos de entusiasmados praticantes ocidentais que lá chegam procurando por uma prática que agonizava.
É neste contexto que podemos ler o esforço de tradução realizado no presente trabalho. Trata-se de semeadura, o trabalho compilado das palestras de Hui Neng é um texto seminal, foi ele o responsável pela grande expansão do Ch’an chinês, 43 discípulos reconhecidos, que deixou o Patriarca, é uma obra inaudita, muitos mestres não conseguiram deixar um só sucessor e viram suas linhagens desaparecer no pó dos tempos.
De Hui Neng nasceram cinco grandes escolas Ts’ao-tung (jap. Sôtô), Yung-men (jap. Unmon), Fa-yen (jap. Hôgen), Kuei-yang (jap. Igyô), Lin-chi (jap. Rinzai) destas sobreviveram até nossos dias somente a de Ts’ao-tung e a de Lin-chi.
Em um tempo em que é fácil o surgimento de falsos mestres, e auto denominados iluminados, colocar à disposição de todos um texto de grande força e originalidade, tende a enfatizar a necessidade de escolher cuidadosamente linhagem e professor do Dharma. O esforço de colocar o ensino em trilhos corretos está presente todo o tempo nas intervenções de Hui Neng, embora se auto declare analfabeto, suas palestras estão repletas das citações e referências de um estudioso mas muito mais do que isto possuem a marca de uma experiência pessoal vivíssima.
Suas declarações paradoxais, e aparentemente contraditórias, pretendem fazer os alunos voltar-se para uma verdade fundamental. Além do quietismo e da perturbação mental, ele verbera, ora o raciocínio, ora o mero sentar vazio e qualquer coisa que lhe pareça afastar-se do caminho do meio. Este é um motivo importante para que a leitura do sutra deva ser feita na íntegra, a citação de frases isoladas causará grandes enganos. Visto Hui Neng ter preconizado que as respostas devessem ser em pares de opostos, e baseadas em antônimos, somente uma leitura abrangente dá a visão correta de seu pensamento.
Que o budismo brasileiro nascente tenha à sua frente um período dourado é natural. Que possamos agora aproveitar da tarefa dos que se dedicam a difundir o ensino dos grandes mestres, por esta razão os méritos de um trabalho como este são incomensuráveis.”
Monge Genshô