(continuação)
Essa forma – como nós somos, nossas formações mentais e nossa consciência – nos dá uma noção de separação. Nós olhamos para os outros seres e os vemos diferentes em forma, percebemos que existem limites entre nós e eles. Isso é claramente perceptível. Essa é nossa experiência. No entanto, todo o tempo o budismo está declarando que esta experiência é fruto de uma delusão, portanto, uma ignorância.
Nós vemos, mas é delusão, não é exatamente assim. Nós olhamos, vemos as coisas, sua realidade dentro de um mundo relativo, o mundo das relações. O mundo das relações é interdependente e nenhuma dessas manifestações existe por si mesma; só existe em razão de todas as outras coisas que a ela estão conectadas.
Quando percebemos esse fato e transferimos a nossa visão desse mundo relativo para o mundo absoluto, nós podemos entender que todos os seres e nós mesmos somos manifestações no mesmo vazio, da mesma potência dentro do universo, da mesma potencialidade que chamamos de vazio e que não pode ser descrita sem ser diminuída, não sendo possível dar-lhe, portanto, nenhum atributo. Não podemos descrevê-la sem fazer com que ela pareça menos do que é.
É exatamente o que os místicos cristãos dos primeiros séculos chamaram de teologia apofática, aquela teologia que não declara nada a respeito da divindade, porque a divindade está acima da descrição. Mas nós, budistas, não chamamos a vacuidade de divindade, porque também se a chamássemos de divindade lhe atribuiríamos uma personalidade, uma intenção, um plano, ou uma intenção criadora que em absoluto a vacuidade não tem porque ela nada mais é que os próprios fenômenos. A vacuidade apenas aí está, mas está além da declaração de existir e não existir. Se eu a declarar existente também a estou diminuindo. Vejam que esse tipo de declaração torna claro que nossa linguagem está no seu limite, fica muito difícil explicitar as coisas falando dessa forma paradoxal.