Florianópolis, retiro em out/2012 liderado pelo Superior da América do Sul, Mestre Saikawa Roshi
(continuação)
Aluno: – Vejo o mal nos noticiários.
Monge Genshô: – Notícias são uma visão distorcida do mundo. Por que não aparece no Jornal Nacional: “Pai carinhoso janta hoje com a família e faz carinho no rosto de seu filho”? Só aparecem as notícias que chocam porque são essas as notícias que as pessoas querem ver. Você não vê nenhuma notícia da Suíça hoje, só vê notícias a respeito da Síria, porque lá estão havendo bombardeios e mortes. Você pode estar certo, o mundo não funcionaria se um por cento das pessoas fossem más. Se um por cento das pessoas que almoçassem no restaurante saíssem sem pagar, isso seria um problema. Mas isso não acontece, pois quando alguém chega ao restaurante e se dá conta de que esqueceu cartão, não tem problema. Dizemos a ela que volte outro dia e pague. E ela volta.
Porque a maioria das pessoas é boa e quer que o mundo seja bom. A maioria dos pais é amoroso. Há pessoas más e cruéis no mundo? Há. Mas, felizmente, são minoria. O problema é que fazem muito barulho e aparecem demais. Nós funcionamos na base da confiança. Se alguém pensa: “mas não dá para confiar nas pessoas”, eu digo: “claro que dá”. Na realidade, você entra em qualquer lugar, come e paga depois. Se as pessoas fossem inconfiáveis, pagar-se-ia antes. Você vai ao banco, entrega o dinheiro, o caixa conta e a operação é feita. E se ele colocasse o dinheiro na gaveta e dissesse, “O que o senhor deseja?” Você lhe diria: “como assim, acabei de lhe dar dinheiro”, ao que ele poderia responder: “o senhor não me deu nada”.
Você confia o tempo todo nos outros, o mundo funciona na base da confiança. As pessoas fazem coisas boas o tempo todo. Há pessoas que vêm aqui e começam a limpar alguma coisa, fazem uma faxina, mas nunca perguntam “O que eu ganho?”. Tem pessoas que colocam uma doação na caixa, a gente não sabe quem foi, mas ela sabe que o aluguel tem que ser pago, a luz tem que ser paga, a água tem que ser paga. Tem pessoas que fazem com que esse lugar exista. Seria impossível de existir se não houvesse pessoas que doam algo para os outros.
Então, o mundo não é mau, a maldade é exceção. Ainda bem. Você só precisa olhar. Já foi muito pior. Cem anos atrás, no inicio do século vinte, nós tivemos no Brasil a revolta da chibata na marinha, porque os marinheiros eram tratados a chicotadas. Tínhamos escravatura até 1888, as pessoas faziam festa quando uma guerra era declarada. Na primeira guerra mundial o povo saía às ruas eufórico. Aconteceu na Argentina, na guerra das Malvinas, o povo nas ruas festejando porque haviam declarado guerra contra a Inglaterra. Já mudamos e continuamos a mudar aos poucos. Mas se você olhar para o passado, verá coisas que as pessoas faziam porque eram consideradas normais – em alguns lugares do mundo ainda são, não é? No Irã, por exemplo, tenho um conhecido que esteve lá recentemente e disse que é comum passar por uma praça e encontrar alguém enforcado. Eles enforcam os homossexuais, enforcam alguém que tenha dito uma blasfêmia, etc. Fico feliz em saber que o Brasil mudou de posição a respeito do Irã, pois para mim era vergonhoso. Escrevemos um texto a esse respeito, li um discurso criticando o Itamarati escrito por participantes do Colegiado Buddhista Brasileiro em São Paulo. Penso que estejamos mudando de posição, e isso é melhor, pois não podemos pôr interesses comerciais ou quaisquer outros na frente de tudo, e fechar os olhos para a maldade. Se olharmos bem, veremos que há bondade no mundo.