Xícaras com arte de Claudio Miklos (Monge Kômyô)
A nossa maior dificuldade é perceber que nosso eu é construído completamente, nossas infelicidades são construídas por nossos pensamentos. Sobre o passado por arrependimento e por memórias, ou sobre o futuro por imaginações, expectativas e ambições. Nós construímos um eu e suas infelicidades e angústias com esses pensamentos. Se conseguirmos jogar fora todos eles e sentarmos aqui e esquecermos, penetraremos na dimensão suprema. A dimensão suprema mostra que todas as coisas surgem dela e nenhuma tem um eu ou uma existência própria. Tudo que julgamos como um eu ou existência própria é atribuído, não é verdadeiro.
Essa xícara foi construída com barro, forma e cozida num forno. Tornou-se uma xícara. Nós olhamos para ela e a chamamos de xícara. Ela funciona no mundo e contem chá. Mas a xícara ela existe por si mesma? Não. Para que ela seja uma xícara é necessário que haja barro, oleiro, forno, esmalte e mais do que isso é necessário um ser que olhe para ela, veja sua utilidade e diga “xícara”. Esse que olha para ela enxerga sua utilidade de conter o chá, que a chama de xícara é quem faz com que ela tenha uma identidade.
Nós, de forma muito mais complexa, também somos assim. Surgimos da dimensão suprema e como manifestações da dimensão suprema. Então nos manifestamos nesse mundo de forma histórica e temporária. Voltando a analogia da onda e do vento. Estes fenômenos surgem no ar ou na água e não existem por si mesmos, são manifestações. Nós que acreditamos em nós mesmos, na nossa consciência e em nosso eu, somos manifestações dessa consolidação de pensamentos, confundimos o fluxo dos nossos pensamentos como uma identidade separada. Confundimos esse fluxo com um eu. A xícara parece um ser separado e existente por si mesmo, dizemos xícara e somos capazes de nos entristecer se ela cair no chão e quebrar. Se for antiga e tiver pertencido a nossa avó e tivermos atribuído a ela um determinado significado, ficaremos entristecidos ao vê-la quebrar. Mas onde existe a xícara? Só na nossa memória e mente ela pertenceu a nossa avó. Só no nosso aprendizado do que é uma xícara ela tornou-se uma xícara. Só por a concebermos como receptáculo é que ela é uma xícara. Para um ser primitivo que jamais viu uma xícara ela não seria nada. Se eu der a xícara para minha cadela, ela pensará que é um brinquedo, morderá, e se conseguir quebrá-la, pegará seus cacos e espalhará pelo jardim, porque para ela uma xícara não é uma xícara. A xícara só existe na mente de quem a entende como receptáculo, e olha para ela e a transforma com sua percepção e mente. É fácil entendermos isso sobre a xícara, mas difícil entendermos isso sobre os outros seres.