Quem assistiu o filme Primavera, Verão, Outono, Inferno e Primavera? Há uma cena em que o mestre sente que vai morrer, então ele vai para o meio do lago, prepara sua própria pira funerária dentro do barco, mas para que o barco não queime ele tira uma tampa do fundo do barco para que ele se inunde lentamente. Coloca uma vela para acender uma fogueira e senta em meditação em cima da fogueira e deixa que o fogo o consuma. Não é, na realidade, um suicídio. É um pensamento do tipo, “esse é o momento da minha morte, sei disso, para não deixar problemas para os outros, providencio minha incineração, uma vez que estou sozinho e não há ninguém para fazer isso”. Mas a questão que nos toca é, Como é que alguém se auto-imola sem nenhum gesto. Vocês já devem ter visto na televisão pessoas que jogam fogo em si mesmas. Mas qual é a reação normal dessas pessoas? Gritam, correm, rolam, entram em desespero enquanto as chamas os consomem. Talvez por arrependimento. No Vietnam foi filmado varias vezes, monges zen budistas se auto-imolando em praça publica, e sempre a cena, a pessoa sentada em meditação enquanto as chamas o consumiam e o corpo carbonizado fica sentado. Como fazer isso? Como estar acima da dor e do desespero? Como é isso? Que mente é essa? Qual o pensamento central? A resposta é, “Eu sou um com o fogo!” Entre mim, o fogo, o calor da chamas, não há distância nenhuma.
Porque na mente dele não existe distância entre o fogo e suas próprias sensações. Ele simplesmente queima completamente. Toda dualidade está superada. Se vacilar um único segundo, produz mau carma e a situação muda. Esse é o problema do suicídio. Aquele que morre para os outros e consegue manter sua mente inabalável ou una, gera um bom impulso cármico. Mas se houver um vacilo ou arrependimento naquele momento, é essa mente, a mente que temos no momento da nossa morte que determinará a próxima manifestação cármica. Morrer bem, com uma mente correta é muito importante. Por isso no Zen se diz que uma boa morte é aquela em estado meditativo. Muitos mestres morreram assim.
Não faz muito tempo um mestre da Escola Vajrayana, Chagdud Rinpoche, fez exatamente isso no RGS. Chamou seus alunos para uma palestra sobre a morte e lhes disse que era sua ultima palestra naquele curso. A palestra programada para acabar as 18:00h, estendeu-se até as 22:00h. Então ele foi para seu quarto e morreu sentado e seu corpo não caiu. Foi necessário chamar a secretaria da saúde para obter uma autorização para não mexer no corpo. Seus discípulos ficaram meditando junto ao seu corpo até que ele caísse no sexto dia. Os médicos não entendiam como o corpo não perdia a cor apesar de estar morto. Nós não temos no Zen esses tipos de histórias. As historias no Zen são um pouco diversas. Essa história é tipicamente tibetana, mas é um exemplo do que é possível fazer com uma mente treinada. Com a grande influência que a mente tem sobre os próprios fenômenos. As histórias de mestres Zen, são histórias em que o mestre anuncia, ou mesmo tem uma morte surpreendente. Como o mestre que chamou seus alunos, e estes perguntaram sobre a morte e ele disse – Vou ditar um poema. Então chamou seu secretario e começou a ditar o poema de oito silabas. Ditou a sétima silaba e ficou quieto. Era um poema de despedida. Um poema que se escreve quando se morre. Então o secretario disse – Mestre, falta a ultima palavra. E a resposta do mestre foi –Ah sim!. Deu então um tradicional grito do zen (katz!) e morreu. Era a sílaba que faltava. Muitas histórias desse tipo são contadas de mestres que simplesmente anunciam. Então como o Mestre que deu aquele poema e disse que “Se a mente não se turva ante perguntas banais, cada dia será um instante feliz na vida dos homens”.