Pergunta – E quem gosta de sofrer? Existem as coisas boas também…
Monge Genshô – Eu penso que a resposta esteja dentro da pergunta, nós gostamos de sofrer, por isso estamos aqui. Vem coisas boas e ruins juntas, nós queremos amores, mas sabemos que os amores terminam, nos metemos nos amores e sabemos que eles terminam. Junto com a aquisição do amor vem o sofrimento da perda. Qualquer coisa que nós guardemos. Eu sempre gostei muito de livros, mas os livros velhos que tenho estão se desfazendo. As folhas vão ficando amarelas, existe uma acidez no papel que o vai destruindo. Para conservar seria necessário um ambiente climatizado, uma bibliotecária cuidando. Esses dias vi um livro com uma dedicatória escrita por meu pai, há cinqüenta e tantos anos, quando eu tinha dez anos, se desfazendo e a escrita vai se desfazendo junto com o papel, e me vem a sensação de que as coisas que a gente dá valor se desfazem. Junto com o presente vem a deterioração do presente. Então junto com todo o prazer, junto com todas as coisas boas, vem as perdas e o sofrimento. Estão inextrincavelmente ligados. A vida não é só sofrimento. A vida é alegria, prazer e sofrimento. Uma bela garrafa de bebida e amigos dando risada, no outro dia, ressaca, dor de cabeça, vem tudo junto, não tem como escapar. A gente não consegue separar uma coisa da outra. Um filho nasce, você o ama, um dia ele vai embora e você fica sozinho. Um dia ele casa com uma nora que você não gosta e a nora não quer que ele venha na sua casa. Com o filho vem junto a nora. Está tudo conectado. Junto com a saúde vem a doença. Tem um corpo forte um atleta, um dia, a velhice, juntas que não funcionam, artrite, decadência física.
Pergunta – O senhor começou sua palestra falando sobre aproveitar sua vida, seja feliz pelo momento e fiquei pensando, não tem como não sofrer, até o mestre iluminado se a mãe dele morrer ele irá chorar. Então seria assim, eu aproveito minha vida, não significa deixar de viver para não sofrer, então vou aproveitar ao máximo minha vida, vou amar, mas eu sei que o sofrimento vem junto. Na verdade amar e sofrer seriam duas coisas iguais?
Monge Genshô – Sim, é verdade, estão dentro uma da outra. E aproveite sua vida já que você tem uma vida. Quando tiver sofrimento, sofra. Morre sua mãe, o que você faz? Chora, não há mais nada para ser feito.
Pergunta – Mas se compreender, não chora. Porque a compreensão de a vida é assim, cresce, adoece e morre. É da natureza.
Monge Genshô – Seria assim, nós poderíamos dizer assim – Ah, meu filho morreu, é como uma folha que caiu – mas isso não é realista. Na verdade você sofre e sofre mesmo, entregue-se ao sofrimento e sofra de verdade, porque faz parte da vida.
Observação – Me veio à mente a imagem do filme de Dogen, que quando ele morre todos os monges caem em pranto. Naquele momento eles choram compulsivamente e sofreram e muitos já estariam até iluminados. Já teriam uma compreensão, já sabiam que iria morrer e mesmo assim sofreram.
Monge Genshô – A resposta é sempre essa, no momento de sofrer, sofra sinceramente.
Pergunta – Mas Buda falou em não sofrer, que foi essa a solução que ele foi buscar. Nós sofremos porque temos apego excessivo mas se você não tiver apego, você chora sem sofrer?
Monge Genshô – A melhor história para isso, talvez, seja a do mestre que recebe uma carta com o comunicado de uma morte na família. Ele senta-se numa pedra e começa a chorar. Um discípulo vai até ele e faz esse discurso – Mas como, o senhor nos ensinou sobre apego e agora o senhor recebe uma carta sobre a morte de alguém da família e agora o senhor esta aí chorando – o mestre dobra a carta olha para ele diz – Escuta aqui seu idiota, estou chorando porque quero – vira-se para o outro lado e volta a chorar. Esse é o zen.