(continuação)
Pergunta – Existe incompatibilidade entre a ciência e o budismo?
Monge Genshô – Não posso enxergar, porque, se houver uma coisa que você comprove verdadeiramente, o budismo pode mudar de idéia a qualquer momento, porque ele não é dogmático. O budismo vem mudando através do tempo. Nós começamos com um determinado budismo e ele foi sendo adaptado. Pai Tchang (Baizhang Huaihai; Japanese: Hyakujō Ekai (720–814 AC)) na China, mudou as regras para os monges zen, há 1 400 anos o monasticismo zen budista não segue o chamado Vinaya indiano, em 1872, na nossa ordem e em todo o Japão, mudamos as regras, os monges podem casar. Mês passado eu fiz um casamento de um casal de rapazes. Para o zen budismo, nós temos que ser como a água, mudar como o mundo muda. Eu cheguei em um mosteiro, olhei um monge e não conseguia decidir se ele era homem ou mulher, aí perguntei para outro: “ele é monge ou monja”? e ele disse: é um transexual, mas ele quer ser mulher, então nós demos um papel para ele de que ele é mulher e pronto, ele então é monja. Ok. Isso dentro de um monastério zen budista. É claro que podemos achar virtudes na conservação estrita de regras antigas assim como na adaptabilidade e também problemas advindos de ambas as atitudes.
Mas o zen budismo está em mudança constante, não está congelado no tempo. Esta é uma virtude da ciência, a ciência pode sempre alterar o que ela pensa. Ela diz uma coisa, amanhã aquela tese está vencida e vem outra. Essa é uma coisa que a ciência pode fazer. Mas a ciência também tem um sistema de crenças. Também tem axiomas, e também tem muitos problemas, e há problemas indecidíveis na ciência, inclusive na matemática. Se vocês duvidam é só verificar o que Godel escreveu sobre os teoremas indecidíveis. É impossível decidir isso pelo uso da matemática, pronto, acabou. A matemática tem limites, assim como a linguagem tem limites.
Há uma declaração budista antiquérrima que diz que a linguagem serve para tentar explicar algo para vocês aqui, mas vocês não estão entendendo realmente o que eu estou dizendo, estão entendendo uma boa parte. Mas uma parte não podem entender, porque o único jeito de entender é experimentando. Não adianta explicar o gosto da lichia para quem nunca experimentou lichia. “Você já comeu lichia”? Não. Se eu te explicar que o gosto da lichia parece uma mistura de morango com abacaxi e uva, deu para entender? Não. Não tem como explicar ela tem que experimentar e colocar na boca. Sem palavras para traduzi-lo. As palavras são um mau instrumento que nós temos para comunicar a realidade. É aquilo com que nós podemos comunicar a realidade na medida do que o cérebro pode entender. O que não é muita coisa.
Pergunta – É lógico que para mudar um efeito, eu tenho que mudar a causa, mas a dificuldade é saber o quê fazer, como fazer, quando fazer, para mudar uma causa que está nos trazendo sofrimento.
Monge Genshô – Às vezes eu posso ajudar, outras vezes não posso, e é você mesmo que tem que resolver. Às vezes as pessoas me perguntam: eu tenho tal e tal problema. Me separo ou não me separo? Eu não sei, quer que eu assuma a responsabilidade por isso? Não sei. Você tem que considerar múltiplas coisas.. Normalmente as pessoas estão acostumadas com livros, onde há uma “solução”. Me separo ou não me separo? Não se separa, ponto, não pode.
Agora, no budismo: Monge, me separo ou não me separo? Não sei. Problema seu. E a regra? Não tem regra. Essa história de união foram os homens que inventaram. Separação, foram os homens também que inventaram. O que você pode fazer é pensar: quais as consequências realmente? É isso. Então, o budismo é um pouco decepcionante, porque queremos respostas simples, e o budismo não dá as respostas fechadas, quadradinhas, que “solucionam” tudo e nos tiram a culpa. Não, o carma é seu.
(continua)