(Palestra em retiro, decupada da gravação por Rachel San)
Há um dito antigo no Zen que diz que para encontrar a si mesmo, você deve andar dez trilhões de léguas para frente. Na verdade, se nós chegarmos agora no século XX e compreendermos a teoria da relatividade – que é a que funciona para as grandes coisas do universo – nós veremos que, de repente, o sentido desta frase “dez trilhões de léguas para frente” tem um sentido na física moderna. Se você andar em linha reta um período suficientemente grande, você retornará ao ponto de partida. É como se o universo em si mesmo fosse curvo.
Por isso é muito interessante para nós olharmos pra dentro de nós mesmos e tentarmos entender o que estamos fazendo. Por que nós viemos para um sesshin? Porque no fundo, no fundo, nós queremos encontrar a nós mesmos. Ninguém vem para o sesshin, senta de frente para a parede tão determinadamente, muitas vezes perguntando a si mesmo: “Por que eu vim pra cá”? Por que eu estou aqui ou por que eu repito isso? Por que eu venho de novo?”
Eu me lembro que no início da minha prática, cada vez que ia para um sesshin, eu sentava e me perguntava: “Mas, por que que eu vim de novo para isso? Eu detesto isso! Eu acho terrível ficar sentado tanto tempo, me doem as pernas, é desconfortável, não sei porquê aqui estou eu de novo. Não consigo evitar”. E na minha vida, de certa maneira, continua até hoje. Não com essa sensação, porque eu não tenho mais a sensação de “por que que eu estou aqui”. Isso é a minha vida mesmo. Mas quando alguém liga de uma cidade nova e diz assim: “Ah, eu estou aqui em Sorocaba” – disse um senhor para mim esses dias. “E nós criamos um zendo aqui”. E me mandou uma foto com o altar e zabutons e zafus enfileirados. “E nós estamos sentando em zazen, só que nós não temos um professor, nós não temos uma vinculação e nós queríamos nos vincular ao Daissen-ji. Nós queríamos nos vincular ao Senhor.” Eu não posso dizer que não. “E o senhor viria até aqui”? “Claro, vou sim, nós podemos organizar isso.”
E então respondo isso e depois vejo que minha agenda está ficando ocupada de uma maneira muito grande. Então fico pensando como é que eu vou fazer para ter outros monges que possam ir a esses lugares, para continuar isso, porque é impossível cuidar de vinte sangas. Não há tempo hábil pra isso.
Então nós nos perguntamos porque estamos fazendo uma determinada coisa, porque estamos andando para frente. Mas é que, no fundo, a única maneira de encontrarmos a nós mesmos é andando para frente. Então, nós viemos ao sesshin, sentamos e olhamos para a parede. Para onde estamos indo, se estamos tão parados? Nós estamos tentando andar dez trilhões de léguas para frente. Só que aquele que andar dez trilhões de léguas para frente, encontrará a si mesmo e estará de novo sentado ali, olhando para a parede
E nós perguntaremos: “Por que? Por que faz isso? Porque precisava encontrar a si mesmo, se já estava ali”? Sim, nós estamos ali, esse ciclo já está todo completo. O difícil é entender o ciclo, é entender esses dez trilhões de léguas. O ciclo se completa em si mesmo, sem início nem fim, como um anel. Em qualquer ponto dessa trajetória, nós já nos teríamos encontrado. Já teríamos encontrado a nós mesmos. Por que é que nós sentamos para encontrar a nós mesmos, se nós já estamos aqui e, se o final do caminho é isso mesmo? Esse é um verdadeiro “koan” para nós resolvermos. Porque já está tudo presente, tudo completo, tudo perfeito. Já estamos vivos, já temos nossos corpos, já temos nossa mente, já estamos sentados como Budas. Se já estamos assim, se tudo já está realizado, por que precisamos realizar? Por que precisamos andar para a frente? Por que precisamos praticar? Esta pergunta, levou Dogen do Japão para a China. Por que? Se nada falta, por que nós procuramos algo para nos completar?
(continua)