Perguntas: De forma geral, as religiões usam alegorias para explicar a existência de praticamente todos os fenômenos. Isso ocorreu, também, no caso da invenção de um deus antropomórfico?
Monge Genshô – É, isso é natural. Porque os homens sempre inventaram religiões para dar explicações. Por exemplo, os italianos viam lá o [vulcão] Etna. Dele saía fumaça e fogo. E o que os homens conheciam que saía fumaça e fogo? A forja dos ferreiros. Então Vulcano se tornou o grande ferreiro. Vulcano estava lá embaixo [do vulcão] e o Etna não passava da “chaminé” da forja de Vulcano. Então os homens tinham um deus para isso. Exatamente igual aos gregos, que olhavam para o céu e viam passar o sol. Mas quem conduzia o Sol? Então disseram que era o deus Apolo quem conduzia o Sol, com seu carro de fogo. Nós esquecemos estas coisas, mas por exemplo os índios daqui [do Tocantins] ainda têm o deus da chuva. Daí nós temos deuses para explicar tudo o que nos não entendemos.
À medida que nós vamos entendendo algumas coisas, os deuses vão desaparecendo. Zeus lançava raios de cima do Monte Olimpo, mas quando passamos a entender mais – e sabemos que os raios são fenômenos elétricos –, nós esquecemos os deuses da eletricidade e dos raios. Alguém aqui ainda acredita nos deuses dos raios? Ninguém, porque as crenças recuam à medida que o saber aumenta. Sempre digo em minhas palestras que o zen não é a religião de acreditar. Ela é a religião de “acordar” das ilusões. E os deuses fazem parte das ilusões, pois nós os criamos para nos socorrer. Embora o budismo não possa ser considerado uma religião ateísta, e sim não-teísta. Mas isso é tema para outra questão.
Esta resposta do zen pode ser terrível quando se vai ouvir uma palestra. Tenho até certo receio de dar estas respostas tanto alguém pode se sentir abalado. Mas a visão do zen é de que não adianta rezar para Buda, ele já morreu. Quem pode resolver todos os problemas do sofrimento “está aqui dentro”. Eu posso atuar para resolver os problemas dos meus sofrimentos, e você pode resolver os problemas do seu sofrimento. Mas para resolver estes problemas, você tem que se esquecer de “meu” e “eu”. Enquanto ainda acreditar em “eu” e “meu”, você não entenderá o universo.