Aluno: Existe um budismo que não trabalha com esforço?
Monge Genshô: O budismo do tempo de Buda é um budismo de esforço, como podemos ver pela própria história de Buda. Ele se esforçou, ele estudou, ele meditou, ele treinou. E o que ele ensinou inicialmente para os seus discípulos foi isso. Mas também ensinou práticas outras e diferentes remédios para diferentes doenças e diferentes pessoas. Algumas pessoas tem energia para se esforçar realmente. Eu sei, falo para muitas platéias. E de cada platéia, quantas pessoas começam a praticar realmente o caminho espiritual? De cada cem, uma ou duas. Os outros não fazem isso. Eles ouvem, são influenciados, são tocados por aquilo e depois saem comentando. Serve para sentar numa mesa de bar e explicar a filosofia budista, fazer grau com os amigos. Também serve. E isso não é ruim. Mas, não é o caminho do zen.
O caminho do zen é de esforço duro. Há outras práticas centrais como dizer uma oração, repetir um mantra, mas pertencem a outras escolas. Então o Soto Zen, minha escola, da Monja Sodô, da Rachel Kyo Hô, do Pedro Ken Gô, sua, é uma escola de esforço. Você senta de frente para parede e: meditação. Trinta minutos, quarenta minutos. Esforço. Há outras práticas que tem sentido muito bonito pelo seu abandonar de si mesmo, como a de Buda Amida, um Buda que teria prometido salvar todos os homens, mesmo os piores. Um mestre diz uma frase muito bonita, acho que Shinran – “com muito mais razão eu salvarei os maus, basta que tenham fé”.
Essas escolas, coletivamente, chamam-se escolas da Terra Pura. O maior templo daqui de Brasília, de um amigo meu, Monge Sato, é da escola Terra Pura – Jōdo Shinshū. A prática central deles é recitar “namu amida butsu” (salve o Buda Amida). Mais ou menos como quando você passa por uma freira e diz “Deus seja louvado”. É uma prática espiritual devocional. Mas não tem nada a ver com esta prática do Zen. Se quiser um pouco mais fundo, vai achar dentro da prática devocional a prática da meditação – Quando você abandona a você mesmo e se entrega, porque você não é capaz de nada. Você pensa ” eu não pretendo nada, não quero mais nada”. Esse não querer mais nada é muito importante. Considere que na prática devocional você pode achar a meditação, e dentro da meditação você no nível mais avançado encontrará o abandono de toda a ambição, mesmo a espiritual. Mas, normalmente quando o praticante vem para o Zen ele quer alguma coisa sim. Quer serenidade, quer calma etc. Normalmente ele não vem aqui pedindo para o monge, “queria que o senhor abençoasse minha carteira para ter um bom emprego”. Isso nunca me aconteceu. Ele quer serenidade. Por isso a palavra Zen acabou significando em nosso linguajar, dizer que está calmo. (Pelos monges que conheço não é bem verdade, mas…).
A diferença básica entre esforço próprio e entregar-se, é esta. Não quer dizer que abdicar não seja um caminho espiritual. É uma abordagem diferente. No Soto Zen quando pergunto para um aluno “porque você está praticando meditação” e ele não sabe responder, isso é um passo interessante. Não está tentando alcançar mais nada. Quando você abandona todas as ambições é ótimo.
Aluno: Até mesmo o desejo de alcançar?
Monge Genshô: Até mesmo o desejo de alcançar algo, sem dúvida. Porque isso também é um desejo, uma ambição materialista. A palavra desejo às vezes é mal entendida. As pessoas dizem assim “o budismo diz para eliminar todos os desejos, mas eu tenho desejo de ajudar o meu próximo, então isso é ruim?” Em sânscrito, a palavra desejo para isso é outra. Normalmente quando diz-se que o desejo é ruim em si, é a ambição, o apego, esse é o problema.