Hoje estávamos comentando de um amigo nosso que é abade budista e estava falando para a Monja Sodô que ele me deu uma estátua preciosa japonesa, entalhada em madeira, de Idaten. Ficou quinze anos no templo dele, na cozinha. “Ah, você não tem uma?” Foi lá e pegou a estátua e me deu de presente. Fiquei pensando, o que posso fazer para retribuir um presente assim precioso? Aí ela disse assim “ele me deu esse quimono, esse koromo, deu essas roupas. Viu que não tinha e me deu roupas novas”. Está dentro dele essa generosidade. Está a todo tempo fazendo isso. Há quarenta anos ele trabalha construindo um monastério, um lugar maravilhoso. Agora, para sabermos como ele construiu, ele passou muito tempo mendigando dinheiro nas ruas do Japão, pedindo dinheiro como mendigo. Juntava esse dinheiro e trazia para o Brasil para construir. Porque lá um monge mendigando recebe mais dinheiro do que aqui. Mendigar na rua quando está frio e tudo mais é um esforço enorme. Ele fez isso. Então as pessoas verdadeiramente ricas não são aquelas que a gente pensa que são. São outras pessoas.
Muitas pessoas com que trabalho – trabalho como consultor – e que têm bens materiais, são profundamente infelizes. E outras pessoas que conheço que não tem, são profundamente realizadas e felizes por outros motivos, pois fazem o que realmente pretenderam. Meu mestre Saikawa Roshi saiu do Japão com vinte anos e foi para Tailândia e Sri Lanka e passou dois anos. A comida que ele comia era o que ele mendigava na rua. É a pessoa que mais admiro. Tem um livro dele com uma pequena autobiografia, um livro infantil que ele escreveu. Ele além de para adultos escreve livros infantis. Isso significa outro tipo de mente.
Esses tempos estava em São Paulo e tinha um amigo de que falei que meu mestre era como um “cardeal”, Superior Geral do zen para a América do Sul, Saikawa Roshi. E ele (amigo), que só pensa em dinheiro, disse que queria conhecer. Chegamos no templo e ele esperando para encontrar o “cardeal”. Perto de uma mesa, um senhor vestido com um samuêzinho marrom, curvado em uma cadeira, com os dois pés dentro de uma bacia com água quente pois estava resfriado. Um monge, pequeninho, curvado. Aí ele perguntou “é esse aí?” espantado com a falta de “grandeza” de roupas douradas e porte imponente. Saímos para jantar e disse que se quisesse fazer uma pergunta para ele, podia fazer. Aí ele fez a pergunta: “E Deus?”. E Saikawa Roshi respondeu: “Ah, esse é um assunto não verificável. Se você acredita, está bem. Se você não acredita está bem também”, e voltou a comer. É isso. O Zen é assim. (Fim da palestra, gravada e decupada pela Sangha de Brasília e Goiânia)