Monge Genshô – É o primeiro zazen do ano. O que você gostaria que fosse falado?
Aluna – Não tenho ideia, monge.
Monge Genshô – Não ter ideia é uma coisa muito boa, pois na realidade o que acontece é que nós colocamos nossas ideias nas coisas. E esse fato de nós colocarmos nossas ideias nas coisas é o que mais atrapalha o ser humano. Saikawa Roshi costuma dizer que os peixes, os pássaros, os ursos, eles não tem problemas, eles conseguem viver a vida naturalmente, e quando chega a hora da morte, morrem, e não se angustiam com essas coisas, e só os homens realmente são tão angustiados, e por que? Porque os homens colocam as suas ideias nas coisas, suas interpretações.
Eu vejo muitas pessoas discutindo coisas como ‘ah, é melhor beber água gelada porque o corpo tem que consumir calorias para aquecer a água, então a água gelada emagrece’. Aí vem outra pessoa e diz ‘não, a água gelada faz mal para o estômago, você devia tomar sempre chá quente ou água quente, essa é uma crença comum no oriente, porque isso não perturba a digestão, e isso tem bastante sentido, se você beber algo gelado junto com a refeição o organismo tem que aquecer aquilo antes de conseguir fazer a digestão’. E as pessoas então começam a discutir um tema como esse e a discussão vai se tornando cada vez mais azeda até o momento em que alguém resolve chamar o outro de ignorante, tacanho, ou egóico, então as pessoas começam a lutar por causa disso. A melhor maneira a respeito disso é aprender a não defender ideias, opiniões. Se nós defendemos opiniões nós colocarmos nossa opinião nas coisas.
Quando nós estávamos na aula de como colocar o rakusu um aluno perguntou ‘ah, mas não pode ser assim de outro jeito?’. É natural, nós somos acostumados a ser instados a ter uma ideia própria. Nos EUA isso é muito mais forte. Como houve um grande cultivo da individualidade pede-se que o aluno tenha uma ideia, e isso na realidade tem um benefício, porque o fato de se instar as pessoas a terem ideias próprias faz com que haja criatividade, invenções, novas maneiras de fazer as coisas, então existe uma virtude nisso. Mas no pensamento do zen essa questão da individualidade foi levada tão longe no ocidente que começou a criar problemas para as pessoas, e estas então tem dificuldades ou infelicidades por causa disso.
Então eu vejo virtudes nessa questão da ideia própria, mas quando estamos treinando uma arte ela atrapalha. Quando se está estudando música, por exemplo, ou em qualquer arte, como aprender a cozinhar, e o aluno diz ‘mas será que não é melhor assim, será que não posso fazer de outro jeito?’ e fica interrompendo o professor a cada momento perguntando sobre uma outra maneira de fazer as coisas perturba seu aprendizado. No zen, isso vai um pouco mais longe, não só não se espera que o aluno venha a apresentar uma ideia própria como se presume que ele tem que chegar com uma mente completamente vazia. E ele não tem que criticar nada, ou achar coisa alguma. O aluno vai chegar no mosteiro e se espera não que pergunte ou que peça explicações, mas que roube do mestre e dos mais antigos a maneira certa de fazer as coisas. Então a gente olha, observa e imita. E não pergunta nem o porquê, porque o ‘porquê’ vai vir depois. E o ‘porquê’ pode ficar muito obscuro durante bom tempo.
Por exemplo: Dogen costumava ir ao riacho que ficava perto de Eihei Ji e pegar um balde de água. Depois que ele pegava o balde de água ele derramava no riacho de volta metade do balde e levava só meio balde. Essa era uma prática espiritual em relação à água, aos recursos, ao que existe, ao que a natureza dá. E fica meio obscuro para um aluno que chega, que pode pensar ‘mas se trouxe meio balde, por que não traz um balde inteiro?’, ‘então vai fazer duas viagens e trazer dois meios baldes? Isso na realidade é absurdo, isso não é eficiente’. Ele não sabe o que estamos procurando. Estamos procurando uma outra coisa completamente diferente. Há muitas coisas que no treinamento zen vão parecer absurdas à primeira vista. Então, o que o aluno tem que fazer? Simplesmente fazer do jeito que foi dito, sem pensar. Esta é a maneira de aprender. Depois que ele dominar aquela técnica, então chega o momento de ele poder fazer alguma alteração. Mas só quem pode fazer alteração é quem dominou a técnica completamente, não quem está chegando. Então no oriente, não se espera que o aluno pergunte, e muito menos que pergunte ‘por que?’, se espera simplesmente que ele quietamente faça conforme foi mostrado, e isso significa abdicar da sua opinião, abdicar do seu eu, e da sua maneira normal de pensar, e deixar para depois. E pode-se levar muito tempo para perceber por que uma coisa é feita de uma maneira e não de outra.
Você entendeu a resposta, ficou claro? Na sua vida como engenheiro não é para agir assim, na realidade tem que procurar outra maneira de pensar, outro modus operandi, outra maneira de agir, e no caminho espiritual agir completamente diferente. A gente tem que saber mudar o modo, não é para levar este modo para a engenharia, pois na engenharia pode haver uma solução melhor, então a invenção é necessária, a mudança é necessária, o pensamento crítico é necessário, é necessário que esteja bem aceso. Mas quando estamos no caminho espiritual não é a hora para o pensamento crítico ou da invenção.